Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Palavra Episcopal maio 2009

 

João Alves de Oliveira Filho,
Bispo Emérito da Igreja Metodista - 5ª Região

O mês de maio, especialmente na tradição da nossa Igreja, tem sido lembrado como o mês da família, pois além de nele se enaltecer a questão familiar, comemora-se no segundo domingo o "Dia das Mães. Há de se ressaltar que "um" mês é muito pouco para que o assunto "família" seja profundamente debatido, estudado e questionado, poishá variáveis significativas que necessitam de um "adorno" mais profundo. A igreja, em sua ação docente, tem procurado se pautar pelo ensino bíblico para conscientizar sua membresia sobre o tema da família.

Trata-se de uma "luta" desigual, pois enquanto ela, Igreja, se debate em temas que, para uma grande parte da sociedade, já estão superados, a precocidade de outros temas avança "a passos" largos. O desafio está nas mãos da Igreja, que por meio de ações santificadoras, amorosas e terapêuticas, deverá dar continuidade a projetos que visem fortalecer os laços da família. Porém, o que Jesus espera de cada um(a) de nós, em se tratando de: família - chamado - compromisso? Compartilho com vocês dois momentos, não muito convencionais, em que Jesus protagoniza cenas referentes ao assunto da família, chegando a causar "ruídos" em nossa formação cultural e religiosa.

A primeira cena é relatada no evangelho de Lucas 2.41-52, cujo texto refere-se a Jesus com 12 anos de idade dialogando com os doutores no Templo. O contexto versa sobre a Páscoa, os pais de Jesus foram participar dessa festa e, no retorno, o menino se perde. Os pais voltam para procurá-lo e, quando o encontram, a mãe lhe diz: "Filho porque fizeste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, estamos a tua procura" (v.48). O menino responde: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?" (v.49). No relato podemos perceber alguns aspectos do nosso cotidiano, tais como: festa, perda, procura, encontro, preocupação.A "bronca" é a mesma recebida por Jesus: "Por que fizeste assim conosco?" Cada um(a) de vocês poderá interpretar esta frase da melhor maneira possível, mas tenho plena certeza que as mais comuns são: "Não chegue tarde"... "De onde estiver ligue para casa"... "Cuidado com quem anda", etc. A resposta do menino não foi compreendida pelos pais, porém, a mãe, de acordo com o relato, guardava tudo em seu coração.

Enquanto a preocupação da mãe era com a figura do menino, ele radicaliza: não vim a este mundo para colocar em prática este tipo de preocupação... vim a este mundo para cumprir a vontadedo meu pai. Este é o meu compromisso. Talvez perguntemos: Jesus não enfatizava a questão familiar? Sim, ele viveu com a família, cresceu em um ambiente familiar, trabalhou com o pai, etc., porém, deixou claro que a família não podia impedi-lo de cumprir a tarefa para a qual estava comissionado. Para aos nossos dias, esta é uma variável que devemos levar em consideração, ou seja: até que ponto as relações familiares não têm impedido uma comunhão sinalizada pela Graça? Até que ponto as preocupações exageradas não têm roubado e impedido que o diálogo seja o caminho viável nas comunicações e relacionamentos? Até que ponto a Igreja continuará se debatendo em temas descontextualizados, enquanto nossos(as) jovens, filhos(as) contemplam e vivenciam um mundo diferenciado e mergulhado em proposituras que "arranham" a nossa vida espiritual? Não estou afirmando que devemos "romper" com a família, subjugar a família, porém colocá-la no caminho de Jesus, ou seja, a família é aquela que segue os passos do Mestre e não empecilho na promulgação do Reino de Deus.

A segunda cena encontramos em Mateus 12.46-50. Incisiva, dura, radical a palavra de Jesus. Do ponto de vista estritamente sentimental e emocional, dificilmente compreenderemos esta orientação de Jesus. Alguém afirma: "Estão aí seus irmãos e sua mãe e querem ver-te." O filho responde: "Quem são meus irmãos e minha mãe?" E aponta para os discípulos sinalizando que eles são os irmãos, ou seja, a família dEle, pois irmãos, mãe e irmãs são aqueles(as) que fazem a vontade de Deus. Esta cena não é comum; ela é imprópria para os nossos padrões egoístas e conformistas. Será que Jesus recebeu sua família? Deu atenção a ela? Orou com ela? Por outro lado, qual foi a reação da família? Aceitou a postura de Jesus? Insistiu em dialogar com ele? Foi embora? A resposta pode ser encontrada em Marcos 3.20-21. De acordo com o texto, Jesus vai para casa e a multidão o segue, não dando "trégua" nem para o momento da refeição. Neste momento chegam os parentes (família) e preocupados com tudo que cerca o Filho famoso, decidem "blindá-lo", pois crêem que ele está fora de si e mentalmente afetado. Este fato ilustra muito bem quão pouco a sua família o compreendia, e também quão pouco compreendia a sua missão. Porém, queiramos ou não, uma coisa fica muito clara: família para Jesus são aqueles(as) que estão no caminho e o ajudam a carregar a cruz. Mas o que fazer com a nossa família? A família de Jesus resolveu protegê-lo e até insinuou que ele estava "fora de si". E nós em nossos dias? Como temos tratado as nossas relações familiares? Não tenho condições de responder, mas até que ponto família-instituição e família-do-caminho se ajustam? Família-instituição é aquela que atua em redor de si, se auto protege, determina parâmetros, cria personalismos... vive no gueto. Família-do-caminho, encontra pessoas, cura as feridas, ouve, é perseguida, não tem proteção, é peregrina... família-do-caminho... caminha, carrega a cruz, vive a auto-doação, não tem ouro nem prata... tem a Graça da Ressurreição.

E a Igreja? O que fazer com a família? Ampará-la? Desampará-la? Moldá-la?... Discriminá-la? Em meio a tantas figuras e projeções, que se misturam com malabarismos no sentido de se encontrar o significado da cruz, projetamos e muitas vezes deliramos. Criamos sofismas, montamos palcos, projetamos shows, inventamos, re-inventamos... com a finalidade de trazer Deus até nós, agradar a Deus... queremos vê-lO no trono, para quê? Raspamos as nossas cabeças, andamos descalços, dançamos, louvamos, oramos... atingimos as nossas famílias?.. Ajudamos a colocá-las no caminho? Enquanto a nossa adoração embasar-se somente em temas que nos distanciam, que recriminam, que discriminam... enquanto a nossa adoração embasar-se somente na esfera vertical, ou seja, para nós mesmos, para a nossa satisfação, continuaremos a procurar Jesus e, ao encontrá-lo, ouviremos: meu pai, minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs, são todos(as) aqueles(as) que fazem a vontade do meu Pai. Como reagiremos? Conforme afirma o cântico: "Família unida somos, família de Jesus, / Iluminados todos, / Da mesma santa luz.../ Olhar com simpatia os erros de um irmão, / E todos ajudá-lo com terna compaixão (HE, 395). Fico a perguntar: como anda a ecumenicidade da família? Será que segue os padrões da Igreja?... Da Graça Redentora? O poeta, em sua interpretação teológica pode nos deixar este legado: "Família unida somos, família de Jesus," e por pertencermos a essa família, olhamos com simpatia, não com discriminação, os erros do nosso irmão. Será que não é isto que nos falta? Temos sidos ousados o bastante, como família, a ponto de "olhar" com simpatia as nossas relações, especialmente as ligadas com aqueles(as) que fazem parte do nosso ambiente familiar? Quantos de nós ?esposas, maridos, filhos(as), pastores(as)? não somos "escanteados(as)" porque não seguimos os estereótipos? Comopoderemos, comofamília, andar pelo caminho... carregando a cruz?


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