"Da Sufici?ncia das Santas Escrituras para salva??o" e "Do Antigo Testamento" (Artigos 5 e 6 dos Vinte e Cinco Artigos de Religi?o)
"Naqueles dias a palavra do Senhor era mui rara" (1Sm 3,1b). Este trecho das Escrituras est? no contexto do chamado de Samuel, o qual descreve no relato anterior que a casa de Eli havia se corrompido, e em seq??ncia ? narrada a vis?o de Samuel. ? importante destacar que nesta vis?o Samuel ouve o chamado de Deus e responde: "Eis-me aqui".
Pensando neste texto e nos padr?es doutrin?rios estabelecidos por Wesley, nos Vinte e Cinco Artigos de Religi?o, especialmente os artigos 5 e 6, talvez estejamos vivendo um tempo em que tamb?m a palavra do Senhor tem sido rara. Por isso, Ele tem chamado mulheres e homens para compreender melhor sua vontade, ouvir sua voz e responder ao seu chamado atrav?s de sua Palavra. Mas, qual tem sido a nossa resposta?
Para responder a contento esta pergunta, precisamos "conhecer e prosseguir em conhecer o Senhor" (Os 6,6). E isso s? ? poss?vel por meio da leitura e do estudo da B?blia. Os artigos mencionados demonstram o que representa a Palavra de Deus no contexto cotidiano das comunidades de f?.
O artigo 5, Da sufici?ncia das Santas Escrituras, orienta sobre o fato de que as Escrituras s?o suficientes para ensinar crist?os e crist?s sobre o que ? necess?rio para a salva??o, a saber, a B?blia apresenta Deus atuando na vida de pessoas atrav?s da liberta??o, salva??o e concedendo vida digna. Assim, a B?blia deve ser lida como um todo, ou seja, de G?nesis a Apocalipse, pois nela encontramos orienta?es para a nossa conduta crist?.
Nesta perspectiva, o artigo 6 deixa bem claro a proporcionalidade de import?ncia do Antigo e Novo Testamentos. Este artigo, Do Antigo Testamento, destaca que: "o Antigo Testamento n?o est? em contradi??o com o Novo, pois tanto no Antigo como no Novo Testamentos a vida eterna ? oferecida ? humanidade por Cristo, que ? o ?nico mediador entre Deus e o homem (sic)(…), portanto n?o se deve dar ouvidos ?queles que dizem que os patriarcas tinham em vista somente promessas transit?rias". Nesta orienta??o, observamos que o referencial doutrin?rio da Igreja n?o privilegia uma parte da Escritura em detrimento da outra, pelo contr?rio, compreende a complementaridade e mutualidade entre ambos os Testamentos.
Sobre a parcialidade das Escrituras, podemos destacar que durante muito tempo, crist?os/?s, de um modo geral, privilegiaram a figura paulina como referencial de f?, a quem poder?amos chamar mais de "paulinos" do que "crist?os", uma vez que Paulo havia se tornado o modelo para a vida de muitos. Uma leitura distorcida de Paulo legitimava um modo de pensar bem diferente daquele pregado pelo pr?prio Ap?stolo, como, por exemplo, quando ele diz: "eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus" (1Co 3,6). Por conseguinte, Paulo descreve que ele ? apenas servo do Senhor, e faz a sua parte. Ele aponta para Deus o resultado daquilo que ele plantou. Portanto, uma leitura literal do texto, descontextualizada e sem crit?rio, deixou muitas pessoas a merc? de um "cristianismo paulino" excludente e hierarquizado, conforme a leitura equivocada do/a "int?rprete", principalmente com rela??o ?s mulheres.
No relato acima vemos o distanciamento da orienta??o doutrin?ria da Igreja, com refer?ncia aos Artigos 5 e 6. Mais recentemente, esta vis?o estreita tem se voltado para o Antigo Testamento (AT). Se antes havia at? um certo medo de ler e interpretar o AT, agora, o que ocorre ? uma volta aos preceitos do texto veterotestament?rio sem a disposi??o de olhar para o contexto e observar que certas pr?ticas s?o estritamente relacionadas ? cultura daquele povo, naquele lugar, para aquela ?poca.
Hoje assistimos ao crescimento de modismos inspirados no Antigo Testamento, e que n?o fazem mais sentido depois de Jesus Cristo. Seja no uso do shofar, ou da bandeira de Israel e s?mbolos desta cultura, o que est? acontecendo ? uma judaiza??o do cristianismo. Se antes o cristianismo paulino era a "regra de f?", agora, o Antigo Testamento, descontextualizado, passa a ser o pano de fundo para orientar a vida e as celebra?es c?lticas.
A nossa doutrina (sim, n?s temos uma doutrina!), na perspectiva dos Artigos 5 e 6, dos Vinte e Cinco Artigos de Religi?o, nos lembra que n?o h? como servirmos a Deus, e nos deixarmos "levar por qualquer vento de doutrina". Deste modo, precisamos aprender a ler as Escrituras e saber que nelas h? cerim?nias, ritos e preceitos civis que n?o se aplicam aos nossos dias, mas nos ajudam a compreender o contexto da ?poca para, a partir da?, trazer para atualidade, como demonstra claramente o artigo 6: "Embora a lei dada por Deus a Mois?s, quanto ?s cerim?nias e ritos, n?o se aplique a crist?os, nem t?o pouco os seus preceitos civis devam ser necessariamente aceitos por qualquer governo, nenhum crist?o est? isento de obedecer aos mandamentos chamados morais".
Nos primeiros s?culos do cristianismo, o te?logo Marci?o tentou produzir um c?non da Escritura. Ele foi o primeiro a tentar fazer isso, mas a sua teologia n?o compreendia e n?o aceitava a complementaridade entre os dois Testamentos; por isso, ele prop?s um c?non com o Evangelho de Lucas, sem o relato do nascimento e da inf?ncia de Jesus, e dez cartas Paulinas, sem as cartas pastorais. H? muitos crist?os/?s tamb?m produzindo seu pr?prio c?non, o que contradiz a nossa doutrina ou o nosso referencial de f?, que ? a Palavra de Deus como um todo. Para o estudioso da B?blia chamado Gerhard von Rad, o AT e NT se interpretam mutuamente. O AT deve ser interpretado em dire??o a Cristo e o NT deve ser entendido como continuidade do an?ncio dos atos salv?ficos de Deus. O que nos ajuda a entender o texto como um todo, e n?o de maneira parcial.
Como nos tempos de Samuel, hoje tamb?m a palavra do Senhor tem sido "mui rara", isso porque n?o somente h? uma falta de leitura da B?blia, como tamb?m interpreta?es parciais, para legitimar um determinado comportamento. Somente com o retorno ?s Escrituras, como proposto por Lutero, ? poss?vel haver uma convers?o ao projeto salv?fico de Deus.
A B?blia ? instrumento para conhecermos a Deus e nos pautarmos em nosso cotidiano. Ela nos ajuda a dar raz?o da nossa f?, que est? baseada em Jesus Cristo, filho de Deus, que veio ao mundo para salvar todo/a aquele/a que nele cr?, e que atua hoje na promessa de sua presen?a atrav?s do Esp?rito Santo. N?o se faz necess?rio voltar a algumas tradi?es do Antigo Testamento, ou legitimar um determinado comportamento ? luz de uma abordagem equivocada de Paulo para sermos crist?os/?s. O que precisamos ? vivenciarmos a simplicidade do Evangelho que nos foi apresentado pelo pr?prio Cristo. O cristianismo ? simples, n?o precisa ser reinventado. A vida crist? deve ser vivida no cotidiano por aqueles/as que de fato amam a Deus sobre todas as coisas e ao pr?ximo como a si mesmos.
E que o Deus da Gra?a, o Deus da B?blia (Antigo e Novo Testamentos) nos ajude a compreender melhor seu prop?sito para o povo chamado metodista, para que estejamos sempre prontos a responder: "Eis-me aqui". E que no caminho para a perfei??o crist?, possamos nos lembrar que: "o melhor de tudo ? que Deus est? conosco".
Revda. Suely Xavier dos Santos
Pastora da IM Jabaquara – 3?. RE e
Professora de B?blia (AT) na Faculdade de Teologia – UMESP.