Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Um dia para a mentira... só?

Jesus ensina que o “diabo é pai da mentira” (Jo 8.44) e que a palavra do crente deve ser sempre verdadeira. O primeiro dia do mês de Abril é tradicionalmente dedicado a mentira. O Dia da Mentira tem origem incerta, talvez na França do século dezesseis. Um decreto, que fixou o novo calendário Gregoriano em substituição ao Juliano, levou à indignação o povo que desejava continuar a festejar o Ano Novo com a chegada Primavera (no hemisfério norte).  Com a alteração começaram a surgir brincadeiras de convites para festas que não existiam, e as mentiras e trotes se tornaram tradição, inclusive no Brasil.

Há pesquisas indicando que a mentira é uma habilidade da humanidade civilizada, e que seria impossível viver num mundo sem mentiras. Há relatos científicos que indicam a mentira como resultado de um cérebro mais desenvolvido. Outras considerações indicam que a mentira é um elemento próprio da convivência social e mantenedor das redes de relacionamentos complexos.

Aristóteles classifica a mentira como variações da verdade, a jactância para o aumento de um fato verdadeiro, a ironia para a diminuição. “Eu aumento, mas não invento” diria um personagem da comédia brasileira. Nesta perspectiva como ficam os exageros, as falsas informações, as deturpações, os eufemismos, as bravatas, as evasivas, as tergiversações, que são ferramentas que desviam o foco da “feia” mentira?

O mundo sobreviveria sem mentiras? Seria suportável um mundo sem mentiras, sem construções fantasiosas que disfarçam a realidade e criam outras possibilidades para um mesmo evento? Tente ouvir o discurso da instituição governante: “Meu povo! Nossa atual decisão é mero jogo de cena para encobrir uma grade negociata que beneficia a todos nós da classe política. Este presente encaminhamento em nada favorece a rotina diária de vocês, porém dá aparência de que nos preocupamos com vocês... Mas acreditem somente nós seremos beneficiados”.

A verdade é agressiva? A verdade é agressiva! Mas a verdade vos libertará!

Há um limite para a mentira? Há um limite para a sinceridade? Algumas pesquisas afirmam que pessoas que dizem a verdade o tempo todo são consideradas não adaptadas ao grupo, enquanto as pessoas que conseguem mentir sem serem descobertas são muito valorizadas.

Mas, dedicar um dia para mentira, seria talvez, uma forma irônica de clamar por um dia de uma humanidade sem mentiras?  Na perspectiva do paradoxo (insolúvel) de Epimênides, talvez sim. Se a pessoa comum fala uma mentira a cada cinco minutos em média, dedicar um dia apenas à mentira dá uma aparência de gente que não mente, forçando então a verdade à ironia, portanto mentindo e ao mesmo tempo confessando que isso acontece todos os dias.
Se a mentira é universal, humana, evidência de desenvolvimento cerebral e ferramenta de manutenção de relacionamentos, é possível pensar que está presente nas comunidades de fé, entre pessoas e nas estruturas. Quando criança havia um cântico que afirmava: “Não posso viver sem você meu irmão... Eu quero morrer por você meu irmão... você faz parte do corpo...” Soube que por insistência de muitos o cântico foi banido, pois soava como exercício para a mentira. A verdade era que não havia a disposição para viver com ou sem o irmão e muito menos morrer por alguém.

Impressionante assistir o Pinóquio na animação Shrek 3, buscando não mentir e ao mesmo tempo não falar a verdade e revelar para o Príncipe Charming a localização do amigo ogro. Cheio de evasivas e contra-negativas e rodeios, ele consegue responder sem dizer nada e ao mesmo tempo não compromete o tamanho do nariz. Há verdadeiros exercícios de fala que pretendem não ser chamadas de mentiras, talvez “inverdades”. No mundo onde quem detém informação tem o poder, quando menos dizer, ou quanto mais tergiversar, melhor.

Na comunidade cristã, Ananias e Safira revelam o exemplo do padrão do evangelho. O ensinamento persiste: seja tua palavra “sim, sim, não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna” (Mt 5.37). Talvez, maior que a fala seja a prática. Talvez, evitar falar e explicar o amor, a fé, a esperança, para vivenciar a santidade, seja muito mais valioso, “o simples dá crédito à toda palavra, mas o prudente atenta para os seus passos” (Pv 14.15). Qual via você escolhe: ser o “espertalhão” e mentiroso ou ser sábio e verdadeiro?

Rev. Flavio Hasten Reiter Artigas
Coordenador da Pastoral Escolar e Universitária
da Rede Metodista de Educação do Sul


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