Breve estudo sobre Escatologia e o livro do Apocalipse
Vi novo c?u e nova terra, pois o primeiro c?u e a primeira terra passaram, e o mar j? n?o existe. Vi tamb?m a cidade santa, a nova Jerusal?m, que descia do c?u, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Ent?o, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabern?culo de Deus com os homens. Deus habitar? com eles. Eles ser?o povos de Deus, e Deus mesmo estar? com eles. E lhes enxugar? dos olhos toda l?grima, e a morte j? n?o existir?, j? n?o haver? luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. (Apoc. 21:1-4)
Para a maioria das pessoas, as palavras apocalipse e escatologia est?o associadas a imagens de destrui??o e caos: grandes desastres, guerras sangrentas, morte, horror, o planeta envolto em chamas.E quando vemos as manchetes dos jornais nos falando de aumento da viol?ncia, das guerras e desastres ambientais, do desamor que faz at? irm?os matarem irm?os e filhos matarem pais, n?o ? raro que algu?m exclame: ? o fim do mundo!
"Fim do mundo" ? o objeto de estudo da escatologia, na origem grega da palavra: ?schatos significa "as coisas dos ?ltimos tempos". Mas, acredite: a mensagem da escatologia crist? n?o ? de destrui??o, mas de esperan?a.
J? a palavra apocalipse, tamb?m de origem grega, significa "revela??o", o que at? nos parece contradit?rio: afinal, a linguagem simb?lica com a qual o livro foi escrito ?s vezes parece mais ocultar do que revelar.
Muita gente acha que, por tr?s das misteriosas imagens do Apocalipse de Jo?o, escondem-se previs?es de fatos hist?ricos e pol?ticos. H? quem busque o Apocalipse como um guia de acontecimentos futuros – o que o reduziria, lamentavelmente, a uma esp?cie de "Nostradamus crist?o"… Nesta linha de interpreta??o podemos encontrar livros e at? filmes, como a conhecida s?rie "Deixados para Tr?s".
Contudo, qualquer interpreta??o sobre o livro de Apocalipse ficar? incompleta sem o conhecimento da ?poca e das pessoas para as quais o texto foi originalmente escrito. E o que pode nos surpreender logo de cara ? saber que o Apocalipse de Jo?o n?o foi o ?nico livro apocal?ptico a ser escrito.
Fruto de tempos dif?ceis
Existe uma grande quantidade de livros escritos entre 250 a.C. e 100 d.C. que, por seu estilo liter?rio e tem?tica, s?o classificados como "apocal?pticos". O ?ltimo livro do Novo Testamento come?a exatamente com essa palavra, que acabou transformando-se em t?tulo. Mas os livros de Daniel, Ezequiel e Zacarias tamb?m s?o considerados como literatura apocal?ptica, sem contar v?rios outros textos que acabaram n?o entrando no c?non b?blico.
A apocal?pticafoi um movimento cultural que exerceu grande influ?ncia sobre os judeus e crist?os do primeiro s?culo. Este movimento – e os livros que dele resultaram – trazem caracter?sticas em comum, como, por exemplo, o dualismo. Por influ?ncias do Zoroastrismo, religi?o vinda da P?rsia, bem e mal s?o vistos neste per?odo em lados opostos e bem definidos,numa eterna luta pelo poder. "O mundo ? visto como palco desta batalha e todos os seres, os humanos e os ang?licos est?o divididos em grupos antag?nicos. No pensamento apocal?ptico desenvolve-se, desta forma, uma estrutura dualista de entender o mundo por oposi?es e solu?es radicais. As for?as do bem e do mal se opor?o sem tr?gua at? o desfecho escatol?gico, o seja, o tempo do fim", diz o professor Paulo Nogueira, do Programa de P?s Gradua??o em Ci?ncias da Religi?o da Universidade Metodista de S?o Paulo, em seu livro O que ? Apocalipse.
Valtair Afonso Miranda, tamb?m professor da Metodista e do Semin?rio Teol?gico Batista do Sul do Brasil, explica que a literatura apocal?ptica tem o tom pessimista de quem j? n?o v? nenhuma possibilidade de solu??o para as crises no plano da hist?ria. Toda a esperan?a ? depositada na interven??o divina. Ao contr?rio dos textos prof?ticos, afirma Valtair no livro O que ? Escatologia, os apocal?pticos imaginam um futuro que independe da participa??o das pessoas. "Na profecia, as afirma?es sobre o futuro t?m como alvo mud?-lo atrav?s de alguma altera??o no presente dos ouvintes. O futuro, para o profeta, ? aberto, pois ele acredita que o amanh? depender? da forma como sua mensagem ser? recebida pelo povo. Quando ele anuncia que uma desgra?a se abater? sobre a na??o, sua inten??o ? produzir arrependimento a fim de que essa desgra?a n?o venha efetivamente a acontecer. (…) Para o apocal?ptico, as coisas j? est?o determinadas por Deus. N?o h? como alterar a presente ordem. O futuro ? algo que Deus um dia ir? revelar. O alvo, nesse caso, ? levar os ouvintes a perseverarem com paci?ncia enquanto aguardam o futuro. N?o tem a inten??o primeira de influir no presente". Segundoo professor e pastor Valtair, a causa desse pessimismo quanto ao presente ? o contexto de sofrimento e opress?o que est? por tr?s de grande parte desse universo liter?rio.
Escrita em tempo de opress?o e persegui??o, a literatura apocal?ptica ?, portanto, um grito de protesto, afli??o, mas tamb?m de esperan?a. Outra caracter?stica interessante dos textos apocal?pticos ? que seus autores ligavam a salva??o ? hist?ria do povo. Para eles, salva??o n?o era uma quest?o individual, mas nacional. Era o povo deDeus que precisava ser salvo, e n?o o indiv?duo em separado.
Jo?o, prisioneiro de Patmos
O escritor do livro de Apocalipse ? identificado simplesmente como Jo?o. Ao escrever o livro, em meados de 90-96 da era crist?, ele se encontrava preso na ilha de Patmos, um elevado rochoso localizado no mar Egeu, muito usado pelos romanos como col?nia penal.
Segundo o professor Paulo Nogueira, o Apocalipse de Jo?o ? uma obra redigida para motivar comunidades judaico-crist?s do 1? s?culo que se sentiam amea?adas no mundo opressivo e violento do Mediterr?neo dominado por Roma. "Mas a forma de oferecer respostas ao leitor n?o ? ingenuamente otimista; ao contr?rio, Jo?o mergulha seu leitor em imagens que espelham a viol?ncia vivenciada por eles no dia a dia", diz ele. Sucedem-se imagens de guerras, fome, pestes e cat?strofes na linguagem m?tica caracter?stica dos textos apocal?pticos. Para os crist?os e crist?s dos tempos de hoje, reconhece o te?logo, ? uma mensagem de dif?cil compreens?o. "Para n?s n?o faz sentido nem gera qualquer esperan?a dizer que seremos salvos quando Deus destruir toda a natureza e eliminar todos os nossos inimigos. O Deus desta obra n?o ? todo caracterizado por amor e perd?o. A divis?o entre os seus "santos" e os pecadores est? definitivamente estabelecida. Como a pr?pria obra diz no seu fechamento: "O malfeitor continue fazendo o mal, o sujo continue a sujar-se; todavia o justo continue praticando a justi?a e o santo santifique-se ainda mais" (Ap. 22.11) Estas palavras, ensina o professor, devem ser compreendidas na perspectiva do dualismo apocal?ptico que ? pr?prio do texto e de sua ?poca.
Leituras do Apocalipse hoje
Em nossa ?poca, tamb?m ? grande o interesse pelo fim dos tempos; os nossos tamb?m s?o tempos de crise. O pastor Valtair destaca que cada gera??o crist? se achou a ?ltima sobre a face da terra. "Sentiam que a situa??o nunca esteve t?o ca?tica. As trevas nunca foram t?o escuras. O mal nunca se fez t?o presente. As desgra?as nunca foram t?o comuns. A persegui??o nunca foi t?o intensa. O amor nunca foi t?o frio. A fome nunca doeu tanto. O desemprego nunca foi t?o acentuado. A imoralidade nunca foi t?o aberta. Cada gera??o se imaginou presenteada com o privil?gio de viver os piores dias, para receber os melhores, que viriam logo a seguir. S?o as dores do parto que introduzir?o os dias maravilhosos do para?so. A hist?ria continuou, ? claro, demonstrando que a maldade poderia ser pior, as trevas poderiam ser mais escuras. Novas desgra?as apareceriam. A criatividade da terra e seus habitantes humanos em produzir mazelas se mostraria infinita. Nossos av?s diziam que as desgra?as que ouviam pelo r?dio eram sinal de que fim estava pr?ximo. Atualmente, ouvimos a mesma coisa. Possivelmente, todos os crist?os filhos de Deus da hist?ria tiveram a mesma sensa??o.(…)" Muitas pessoas interpretam o Apocalipse como um guia de acontecimentos futuros. Segundo o professor Paulo Nogueira, este tipo de interpreta??o que se convencionou chamar de fundamentalista ganhou at? express?o num filme muito divulgado chamado "Deixados para Tr?s", inspirado em livro do mesmo t?tulo
Desde as primeiras comunidades crist?s, diz o professor, as percep?es escatol?gicas, como um p?ndulo de rel?gio, pendiam ora para a imin?ncia do fim, ora para seu adiamento. Esporadicamente, os autores crist?os buscavam manter esse equil?brio escatol?gico acentuando um ou outro lado. "Se as igrejas estivessem se acomodando ?s suas vidas, a ponto de esquecer sua miss?o na terra, os l?deres crist?os acentuavam a oposi??o da sociedade e a imin?ncia do fim do mundo. Se eles viessem a sofrer alguma persegui??o, a ponto de parar a caminhada por imaginar que o fim j? estava ?s portas, os l?deres crist?os acentuavam a necessidade de que eventos viessem a acontecer antes que o grande dia chegasse", explica ele. Equil?brio ? a palavra de ordem. "A id?ia do fim n?o nos deixa parar. Esperamos, enquanto andamos".
Esperan?a na diversidade
O te?logo alem?o J?rgen Moltmann, que viveu o horror da Segunda Guerra Mundial n?o gosta de pensar o "ju?zo final" como a "solu??o final divina" para a hist?ria humana. "Solu??o final" era o termo utilizado pelos nazistas para se referirem ao exterm?nio de judeus nos campos de concentra??o. "A escatologia sempre teria a ver com o fim, com o ?ltimo dia, a ?ltima palavra, o ?ltimo ato: Deus tem a ?ltima palavra", diz Moltmann. "Por?m, se a escatologia fosse isto e apenas isto, ent?o seria melhor despedir-se dela, pois as ? ?ltimas coisas? estragam o gosto pelas "pen?ltimas coisas" e o ?fim da hist?ria? sonhado ou ansiado rouba-nos a liberdade nas muitas possibilidades da hist?ria e a toler?ncia em rela??o ?s suas imperfei?es e provisoriedades. Ent?o n?o mais se suporta a vida terrena, limitada e vulner?vel, e se destr?i a sua beleza fr?gil por meio da ultima??o escatol?gica. Quem urge o fim deixa a vida escapar" . Para o te?logo, a escatologia crist? nada tem a ver com tais "solu?es finais" apocal?pticas, pois o seu tema n?o ? "o fim", e sim, antes, a "nova cria??o" de todas as coisas. "A escatologia crist? ? a esperan?a rememorada do despertamento do Cristo crucificado e, por esta raz?o, fala do novo come?o em meio ao fim fatal".
Para o pastor e mission?rio metodista Levy Bastos, que estudou a obra de Moltmann, compreender o ju?zo final como o come?o da Nova Cria??o de todas as coisas implica numa urgente mudan?a de foco: "os crist?os n?o podem aguardar o futuro como a culmina??o das cat?strofes clim?ticas, das guerras entre povos, de hecatombes nucleares. Estes acontecimentos devem ser interpretados como sinais negadores da vontade de Deus, contra os quais os filhos e filhas de Deus devem se posicionar". "Este posicionar-se diante dos ?descaminhos? dos seres humanos, em vez de ?militantismo? inconseq?ente, deve ser percebido como saud?vel experi?ncia de santidade no mundo", diz ele.
Para saber mais
Livros |
O que ? escatologia? – Valtair Afonso Miranda.Cole??o Teologia ao alcance de todos – MK Editora – O que ? apocalipse – Paulo Nogueira – Editora Brasiliense A vinda de Deus – Escatologia Crist? – J?rgen Moltmann- Editora Unisinos |
Artigos |
A sinfonia da esperan?a: da import?ncia da escato-diversidade para uma pastoral da esperan?apor Rogerio Pereira da Silva ? ?ltima modifica??o 27/10/2008 11:20 – Helmut Renders – Revista Caminhando n? 14 O futuro na Promessa. Perspectivas da escatologia de J?rgen Moltmann – Levy da Costa Bastos – Revista de Estudos de Religi?o, v. 23, n. 36, 249-257, jan./jun. 2009 Estudos digitalizados na Biblioteca Metodista on Line (http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/ebooks2.asp) Revista Em Marcha de 1972 com o tema O livro do Apocalipse – Estudos escritos pelo Rev. Ely Eser Barreto C?sar. Apostila "Estudo Introdut?rio aos Apocalipses" do Instituto Metodista Teol?gico Jo?o Ramos Jr. – Estudos escritos pelo Rev. Western Clay Peixoto |