Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Um novo céu e uma nova terra

Breve estudo sobre Escatologia e o livro do Apocalipse

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. (Apoc. 21:1-4)

Para a maioria das pessoas, as palavras apocalipse e escatologia estão associadas a imagens de destruição e caos: grandes desastres, guerras sangrentas, morte, horror, o planeta envolto em chamas.E quando vemos as manchetes dos jornais nos falando de aumento da violência, das guerras e desastres ambientais, do desamor que faz até irmãos matarem irmãos e filhos matarem pais, não é raro que alguém exclame: é o fim do mundo!

"Fim do mundo" é o objeto de estudo da escatologia, na origem grega da palavra: éschatos significa "as coisas dos últimos tempos". Mas, acredite: a mensagem da escatologia cristã não é de destruição, mas de esperança.

   Já a palavra apocalipse, também de origem grega, significa "revelação", o que até nos parece contraditório: afinal, a linguagem simbólica com a qual o livro foi escrito às vezes parece mais ocultar do que revelar.

 Muita gente acha que, por trás das misteriosas imagens do Apocalipse de João, escondem-se previsões de fatos históricos e políticos. Há quem busque o Apocalipse como um guia de acontecimentos futuros - o que o reduziria, lamentavelmente, a uma espécie de "Nostradamus cristão"... Nesta linha de interpretação podemos encontrar livros e até filmes, como a conhecida série "Deixados para Trás".

Contudo, qualquer interpretação sobre o livro de Apocalipse ficará incompleta sem o conhecimento da época e das pessoas para as quais o texto foi originalmente escrito. E o que pode nos surpreender logo de cara é saber que o Apocalipse de João não foi o único livro apocalíptico a ser escrito.

 

Fruto de tempos difíceis

Existe uma grande quantidade de livros escritos entre 250 a.C. e 100 d.C. que, por seu estilo literário e temática, são classificados como "apocalípticos". O último livro do Novo Testamento começa exatamente com essa palavra, que acabou transformando-se em título. Mas os livros de Daniel, Ezequiel e Zacarias também são considerados como literatura apocalíptica, sem contar vários outros textos que acabaram não entrando no cânon bíblico.

A apocalípticafoi um movimento cultural que exerceu grande influência sobre os judeus e cristãos do primeiro século. Este movimento - e os livros que dele resultaram - trazem características em comum, como, por exemplo, o dualismo. Por influências do Zoroastrismo, religião vinda da Pérsia, bem e mal são vistos neste período em lados opostos e bem definidos,numa eterna luta pelo poder. "O mundo é visto como palco desta batalha e todos os seres, os humanos e os angélicos estão divididos em grupos antagônicos. No pensamento apocalíptico desenvolve-se, desta forma, uma estrutura dualista de entender o mundo por oposições e soluções radicais. As forças do bem e do mal se oporão sem trégua até o desfecho escatológico, o seja, o tempo do fim", diz o professor Paulo Nogueira, do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, em seu livro O que é Apocalipse.

Valtair Afonso Miranda, também professor da Metodista e do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, explica que a literatura apocalíptica tem o tom pessimista de quem já não vê nenhuma possibilidade de solução para as crises no plano da história. Toda a esperança é depositada na intervenção divina. Ao contrário dos textos proféticos, afirma Valtair no livro O que é Escatologia, os apocalípticos imaginam um futuro que independe da participação das pessoas. "Na profecia, as afirmações sobre o futuro têm como alvo mudá-lo através de alguma alteração no presente dos ouvintes. O futuro, para o profeta, é aberto, pois ele acredita que o amanhã dependerá da forma como sua mensagem será recebida pelo povo. Quando ele anuncia que uma desgraça se abaterá sobre a nação, sua intenção é produzir arrependimento a fim de que essa desgraça não venha efetivamente a acontecer. (...) Para o apocalíptico, as coisas já estão determinadas por Deus. Não há como alterar a presente ordem. O futuro é algo que Deus um dia irá revelar. O alvo, nesse caso, é levar os ouvintes a perseverarem com paciência enquanto aguardam o futuro. Não tem a intenção primeira de influir no presente". Segundoo professor e pastor Valtair, a causa desse pessimismo quanto ao presente é o contexto de sofrimento e opressão que está por trás de grande parte desse universo literário.

Escrita em tempo de opressão e perseguição, a literatura apocalíptica é, portanto, um grito de protesto, aflição, mas também de esperança. Outra característica interessante dos textos apocalípticos é que seus autores ligavam a salvação à história do povo. Para eles, salvação não era uma questão individual, mas nacional. Era o povo deDeus que precisava ser salvo, e não o indivíduo em separado.

 

João, prisioneiro de Patmos

O escritor do livro de Apocalipse é identificado simplesmente como João. Ao escrever o livro, em meados de 90-96 da era cristã, ele se encontrava preso na ilha de Patmos, um elevado rochoso localizado no mar Egeu, muito usado pelos romanos como colônia penal.

Segundo o professor Paulo Nogueira, o Apocalipse de João é uma obra redigida para motivar comunidades judaico-cristãs do 1º século que se sentiam ameaçadas no mundo opressivo e violento do Mediterrâneo dominado por Roma. "Mas a forma de oferecer respostas ao leitor não é ingenuamente otimista; ao contrário, João mergulha seu leitor em imagens que espelham a violência vivenciada por eles no dia a dia", diz ele. Sucedem-se imagens de guerras, fome, pestes e catástrofes na linguagem mítica característica dos textos apocalípticos. Para os cristãos e cristãs dos tempos de hoje, reconhece o teólogo, é uma mensagem de difícil compreensão. "Para nós não faz sentido nem gera qualquer esperança dizer que seremos salvos quando Deus destruir toda a natureza e eliminar todos os nossos inimigos. O Deus desta obra não é todo caracterizado por amor e perdão. A divisão entre os seus "santos" e os pecadores está definitivamente estabelecida. Como a própria obra diz no seu fechamento: "O malfeitor continue fazendo o mal, o sujo continue a sujar-se; todavia o justo continue praticando a justiça e o santo santifique-se ainda mais" (Ap. 22.11) Estas palavras, ensina o professor, devem ser compreendidas na perspectiva do dualismo apocalíptico que é próprio do texto e de sua época.

Leituras do Apocalipse hoje

Em nossa época, também é grande o interesse pelo fim dos tempos; os nossos também são tempos de crise. O pastor Valtair destaca que cada geração cristã se achou a última sobre a face da terra. "Sentiam que a situação nunca esteve tão caótica. As trevas nunca foram tão escuras. O mal nunca se fez tão presente. As desgraças nunca foram tão comuns. A perseguição nunca foi tão intensa. O amor nunca foi tão frio. A fome nunca doeu tanto. O desemprego nunca foi tão acentuado. A imoralidade nunca foi tão aberta. Cada geração se imaginou presenteada com o privilégio de viver os piores dias, para receber os melhores, que viriam logo a seguir. São as dores do parto que introduzirão os dias maravilhosos do paraíso. A história continuou, é claro, demonstrando que a maldade poderia ser pior, as trevas poderiam ser mais escuras. Novas desgraças apareceriam. A criatividade da terra e seus habitantes humanos em produzir mazelas se mostraria infinita. Nossos avós diziam que as desgraças que ouviam pelo rádio eram sinal de que  fim estava próximo. Atualmente, ouvimos a mesma coisa. Possivelmente, todos os cristãos filhos de Deus da história tiveram a mesma sensação.(...)"

   

Muitas pessoas interpretam o Apocalipse como um guia de acontecimentos futuros. Segundo o professor Paulo Nogueira, este tipo de interpretação que se convencionou chamar de fundamentalista ganhou até expressão num filme muito divulgado chamado "Deixados para Trás", inspirado em livro do mesmo título

Desde as primeiras comunidades cristãs, diz o professor, as percepções escatológicas, como um pêndulo de relógio, pendiam ora para a iminência do fim, ora para seu adiamento. Esporadicamente, os autores cristãos buscavam manter esse equilíbrio escatológico acentuando um ou outro lado. "Se as igrejas estivessem se acomodando às suas vidas, a ponto de esquecer sua missão na terra, os líderes cristãos acentuavam a oposição da sociedade e a iminência do fim do mundo. Se eles viessem a sofrer alguma perseguição, a ponto de parar a caminhada por imaginar que o fim já estava às portas, os líderes cristãos acentuavam a necessidade de que eventos viessem a acontecer antes que o grande dia chegasse", explica ele. Equilíbrio é a palavra de ordem. "A idéia do fim não nos deixa parar. Esperamos, enquanto andamos".

 

Esperança na diversidade

O teólogo alemão Jürgen Moltmann, que viveu o horror da Segunda Guerra Mundial não gosta de pensar o "juízo final" como a "solução final divina" para a história humana. "Solução final" era o termo utilizado pelos nazistas para se referirem ao extermínio de judeus nos campos de concentração. "A escatologia sempre teria a ver com o fim, com o último dia, a última palavra, o último ato: Deus tem a última palavra", diz Moltmann. "Porém, se a escatologia fosse isto e apenas isto, então seria melhor despedir-se dela, pois as ? últimas coisas´ estragam o gosto pelas "penúltimas coisas" e o ´fim da história´ sonhado ou ansiado rouba-nos a liberdade nas muitas possibilidades da história e a tolerância em relação às suas imperfeições e provisoriedades. Então não mais se suporta a vida terrena, limitada e vulnerável, e se destrói a sua beleza frágil por meio da ultimação escatológica. Quem urge o fim deixa a vida escapar" . Para o teólogo, a escatologia cristã nada tem a ver com tais "soluções finais" apocalípticas, pois o seu tema não é "o fim", e sim, antes, a "nova criação" de todas as coisas. "A escatologia cristã é a esperança rememorada do despertamento do Cristo crucificado e, por esta razão, fala do novo começo em meio ao fim fatal".

Para o pastor e missionário metodista Levy Bastos, que estudou a obra de Moltmann, compreender o juízo final como o começo da Nova Criação de todas as coisas implica numa urgente mudança de foco: "os cristãos não podem aguardar o futuro como a culminação das catástrofes climáticas, das guerras entre povos, de hecatombes nucleares. Estes acontecimentos devem ser interpretados como sinais negadores da vontade de Deus, contra os quais os filhos e filhas de Deus devem se posicionar". "Este posicionar-se diante dos ´descaminhos´ dos seres humanos, em vez de ´militantismo´ inconseqüente, deve ser percebido como saudável experiência de santidade no mundo", diz ele.

 

Para saber mais

 Livros

 O que é escatologia? - Valtair Afonso Miranda.Coleção Teologia ao alcance de todos - MK Editora -

O que é apocalipse - Paulo Nogueira - Editora Brasiliense

A vinda de Deus - Escatologia Cristã - Jürgen Moltmann- Editora Unisinos

 

 Artigos

 A sinfonia da esperança: da importância da escato-diversidade para uma pastoral da esperançapor Rogerio Pereira da Silva ? Última modificação 27/10/2008 11:20 - Helmut Renders - Revista Caminhando nº 14

O futuro na Promessa. Perspectivas da escatologia de Jürgen Moltmann - Levy da Costa Bastos - Revista de Estudos de Religião, v. 23, n. 36, 249-257, jan./jun. 2009

Estudos digitalizados na Biblioteca Metodista on Line (http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/ebooks2.asp)

Revista Em Marcha de 1972 com o tema O livro do Apocalipse - Estudos escritos pelo Rev. Ely Eser Barreto César.

Apostila "Estudo Introdutório aos Apocalipses" do Instituto Metodista Teológico João Ramos Jr. - Estudos escritos pelo Rev. Western Clay Peixoto

 

 

 


Posts relacionados

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães