Admiro quem tem uma vida tranq?ila e serena, sem grandes sobressaltos e tudo muito bem organizado. Parece que Deus agraciou algumas pessoas, cercando-as de facilidades e levando-as a lugares pl?cidos.
Outros, como eu, est?o sempre no limite. Limite das for?as, do equil?brio, da f? e da esperan?a. Assim como o salmista, repetidas vezes j? pressenti que “quase me resvalaram os p?s” (Sl 73.2).
![]() | Felizmente estou em boa companhia. Acredito que h? pessoas cuja caminhada de f? nunca ser? nas plan?cies, mas nas escarpas montanhosas, onde o ar ? rarefeito, a subida ? cansativa, e a f? ? levada ao seu extremo. Apesar dos percal?os do caminho, a vis?o dali ? bel?ssima, e s? quem se arrisca a subir pode apreci?-la. |
Paulo, o ap?stolo, viveu sua vida nos limites. No limite da fraqueza, com “lutas por fora, temores por dentro”; no limite da condi??o humana por conta das pris?es, a?oites, naufr?gios, perigos, frio e nudez; no limite do desprezo, sendo considerado como lixo e “esc?ria do mundo”.
O profeta Jeremias tamb?m experenciou os p?ncaros da tristeza (depress?o?) a ponto de maldizer a Deus por n?o t?-lo matado ainda no ventre materno (Jr 20.17). Os?ias viveu no limite da dignidade de um profeta quando Jav? lhe pediu para casar com uma prostituta do povo (Os 1.2) e o profeta Ezequiel no extremo do equil?brio emocional: a ele Deus at? proibiu de chorar a morte da esposa amada, “del?cia de seus olhos” (Ez 24.16).
As grandes obras de artistas, pintores e compositores sempre foram obtidas “no limite”.
Quem j? teve o prazer de ver “A noite estrelada” de Van Gogh n?o consegue imaginar que ao pintar um de seus mais belos quadros, com ciprestes retorcidos e estrelas em turbilh?o, ele retratava ali um pouco de sua loucura, que estava no auge. | ![]() |
Handel, j? quase cego, comp?s o “Aleluia” depois de se trancar no quarto por 24 dias, sem sair e com pouca comida, at? sua obra terminar. Foi no limite de uma surdez que nasceu a mais famosa sinfonia de Beethoven. Os mais belos poemas s? nascem na alma dos poetas que experimentaram as dores mais profundas. As notas mais altas e belas do violino s?o tiradas de cordas esticadas “ao extremo”.
Quem vive no limite tem poucos momentos prazerosos para desfrutar. Mas quando tem ? capaz de aproveit?-los e ser infinitamente agradecido a Deus, muito mais que aqueles que a todo momento se regalam, pois aprendeu a reconhecer a Gra?a divina.
Quem vive no limite quase nunca tem tempo sobrando, e justamente por isso ? chamado por Deus para realizar outras obras. Ao Senhor sempre apreciou chamar os atarefados.
Os personagens b?blicos que viveram no limite do pecado conheceram mais fortemente a Gra?a do perd?o, e sentiram mais intimamente o Amor do Pai. Vejo mais santidade no filho pr?digo que viveu no limite do desejo que seu irm?o sempre pesarosamente contido; vejo mais amor na mulher de m? fama que se derramou diante de Cristo que os convidados ? mesa, cheios de justi?a pr?pria.
O grande desafio de quem vive “no limite” ? a dificuldade de vislumbrar a presen?a do Senhor ao seu lado. Esta presen?a nunca ? suficientemente clara, dada a tens?o em que vive. Entretanto, justamente por n?o viver pela sensa??o, mas pela f?, ele sabe que Deus est? ali.
Compade?o-me tremendamente dos que est?o no limite da sanidade, quase a atravessar um caminho muito dif?cil de voltar. J? perderam os amigos, os amores dos que antes os amavam, perderam a capacidade de controlar os pensamentos, e mergulharam num mundo desconexo e aterrador.
Diferentemente dos que t?m uma vida bem estruturada, gozam de sa?de, e possuem recursos deste mundo, quem vive no limite precisa desesperadamente de Deus todos os dias, para suportar a dor, para n?o cair, para n?o pecar e n?o deixar-se morrer. N?o creio que haver? uma interven??o divina para mudar esse padr?o de ser, pois Deus os escolheu para testemunharem a Cristo na condi??o de “coisas loucas deste mundo”.
Num meio evang?lico obcecado por b?n??os, essas pessoas imaginam que n?o possuem testemunhos a compartilhar. Na verdade, se elas forem ? frente da igreja dar?o o maior de todos os testemunhos: de como Deus os tem sustentado a cada dia. Esses testemunhos fariam um contraponto aos “meninos na f?” que se vangloriam de possu?rem brinquedinhos novos que ganharam de Deus.
Dedico esse texto a todos os que est?o nos limites de suas for?as e da paci?ncia, e que se seguram num t?nue fio de f?; dedico a todos que amaram e foram ignorados, aos que trabalham e n?o s?o reconhecidos, aos que vivem seu dramas – mas n?o fazem deles uma trag?dia, nem ficam cobrando de Deus facilidades, nem livramentos milagrosos, mas t?o somente, t?o somente, que Ele lhe conceda for?as para acabar o dia e repousar o corpo cansado sobre a cama. A estes, o meu respeito e o meu reconhecimento de que estou diante de quem compreendeu o verdadeiro Evangelho de Cristo.
Pr. Daniel Rocha


