O dia em que a fé acabou

Quando o Filho do Homem voltar, porventura encontrar? f? na terra?(Lc 18.8)



Ano de 2025. O culto das 18 horas vai come?ar numa mega-igreja dentre muitas que se espalham pela cidade. A grandiosidade e beleza do templo confundem-se com os modernos shoppings. Dentro, h? grandes lojas, academia para os fi?is, salas de jogos e restaurante. O culto pode ser assistido de qualquer lugar da catedral, at? mesmo da sala de jogos virtuais freq?entada pelos adolescentes. Finos tel?es de plasma espalham-se por sal?es climatizados e poltronas confort?veis.


As pequenas congrega?es quase j? n?o existem, pois estas, sem recursos, n?o oferecem comodidade aos novos crentes, nem estacionamento ou ber??rios com monitoras treinadas, nem cart?es de fidelidade (na verdade, um chip implantado no dorso da m?o) com grandes descontos nas lojas que levam a griffe da denomina??o.


Noto que quase ningu?m se conhece, e isso parece n?o ter muita import?ncia, pois, afinal, ? um lugar de grande concentra??o, e os evang?licos agora s?o maioria da popula??o. Tamb?m percebo que n?o trazem a B?blia, pois segundo um dos freq?entadores, depois que os Anjop?stolos (? o t?tulo atual) escreveram e-books explicando os principais t?picos b?blicos, ela se tornou um tanto obsoleta, embora haja exemplares expostos no museu da igreja para quem deseja v?-las. Outro motivo para deixarem a B?blia de lado ? que o povo j? h? muito tempo vinha clamando por novas vis?es – e n?o mais as antigas – que "j? n?o t?m mais sentido num mundo t?o avan?ado", disseram-me.


Vi algumas inova?es: a ceia ? servida em um kit embalado com p?o e vinho para ser tomado a qualquer momento pelo fiel. Explicaram-me que n?o era mais poss?vel partilhar da forma da Igreja primitiva, embora, estranhamente, ainda a chamem de "comunh?o", o que achei engra?ado. Na hora das ofertas ningu?m sai de seu lugar, mas aperta algumas senhas num pequeno palmtop que todos recebem ao entrar. Senti saudades de quando era crian?a e ?amos todos cantando ao altar levar algumas moedas ao gazofil?cio.


O l?der-mor come?ar? a falar. Ele ? muito carism?tico e agrad?vel. Fala de forma mansa, mas incisiva. Sua fama cresceu muito desde que fez in?meras curas e milagres "via internet" diante dos olhos de todo o mundo [1]. Ele ? confidente de v?rios chefes de Estado, e viaja constantemente a pedido deles. Fiquei curioso se nunca questionaram sua autoridade. Explicaram-me: "ora, se um minist?rio cresce tanto e alcan?a escala mundial, s? pode ser de Deus – e s? os invejosos ? que s?o contra, e ademais, os milagres que ele faz s?o inquestion?veis" [2].


Perguntei se havia muitas convers?es e o meu interlocutor olhou-me espantado. N?o chamamos mais de convers?o – disse-me ele – agora falamos em ades?o! Convers?o ? muito impositivo para esta ?poca e invade a privacidade: as pessoas a-d-e-r-e-m ao nosso movimento, e isso basta.


Come?o a observar os fi?is: parecem todos muito uniformes, enquadrados, ouvem sem questionar [3], n?o conferem nada na Palavra, que lhes ? obscura.N?o vejo alegria genu?na, mas antes, gestos ensaiados.Fazem marchas e passeatas com palavras de guerra espiritual nos l?bios. Exaltam seus lideres, quase numa atitude de adora??o. Noto que alguns jovens mais afoitos t?m o nome deles gravado na testa para demonstrar fidelidade [4].


De um grupo que conversava s? ouvi superficialidades e um linguajar desprovido de reflex?o, cada um querendo contar que novidade eletr?nica havia pedido a Deus de presente. Ficou patente para mim que n?o h? mais sentido explicar ali que h? um c?u que aguardamos ou que somos peregrinos na terra [5], pois a igreja promete o c?u inteiro agora. Ainda ca?oaram: "Ora, aqui ningu?m fala, Maranata Vem Jesus!" [6].


Indaguei sobre a Escola Dominical, mas poucos sabiam do que se tratava. E quem sabia, disfar?ava um sorriso, dizendo que j? n?o era mais necess?ria, pois tudo o que precisavam saber, o Esp?rito Santo revelava atrav?s da cobertura de seus "conselheiros espirituais".


Todos estavam euf?ricos, pois fora eleito o nosso primeiro presidente evang?lico. Ele costuma tomar o avi?o presidencial e do alto derrama ?leo para ungir a na??o. O Congresso tamb?m ? dominado pelos evangelicals, pois ficou f?cil conquistar votos nas igrejas desde que o catolicismo deixou de ser maioria. Nunca houve tanto nepotismo e corrup??o, mas os deputados insistem que tudo n?o passa de mais uma persegui??o sat?nica com o prop?sito de destruir a Igreja.


Reconheci entre os "Anjop?stolos" nomes de homens e mulheres que foram presos no passado, mas agora eram vistos como "m?rtires", embora n?o tivessem morrido, e nem exatamente sofrido por causa da f?. Inclusive, v?rios deles ganharam as suas redes de TV, por terem apoiado o atual presidente.


As pessoas passam umas pelas outras; n?o se olham nos olhos, n?o se abra?am, n?o h? o ?sculo t?o caracter?stico da igreja crist?: s?o multid?es, e percebe-se que n?o h? intimidade, comunh?o ou interesse pelo outro. Deus existe s? para suprir seus caprichos, a Gra?a foi enterrada e a piedade foi esquecida [7]. Compreendi, ent?o, porque Jesus disse que "por se multiplicar a iniq?idade, o amor se esfriar? de quase todos" [8].


Comecei a me indignar e revoltar [9] contra a cegueira do povo e contra o "esp?rito do anticristo" [10] ali dominante, quando de s?bito acordei suando e gritando "o que fizeram com a Igreja?…. o que fizeram com a Igreja?".


Felizmente, tudo n?o passou de um pesadelo, sem nenhuma base real. Como ainda era madrugada, liguei a TV para assistir a uma prega??o evang?lica, e me acalmar.


Rev. Daniel Rocha, pastor da Igreja Metodista em Itaberaba, SP


Refer?ncias:


[1] 1 Ts 2.9


[2] 1Ts 2.11


[3] Tt 2.6


[4] Ap 13.16


[5] Hb 11.13


[6] 1Co 16.22


[7] Jd 16


[8] Mt 24.12


[9] At 17.16


[10] 1Jo 2.18


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