Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

A arte da discordância

Não há como negar: conflitos acontecem nas igrejas. E isso não é necessariamente algo ruim, porque as diferenças de opinião são naturais - até saudáveis, dizem os especialistas.Mas ocorre também que muitas vezes as igrejas evitam tocar em assuntos difíceis e permitem que os conflitos se acentuem, causando profundas feridas. Quando isso acontece, até pessoas boas falam coisas e tomam atitudes que nos deixam chocados. Não se assuste, há maneiras de prevenir que os conflitos fujam ao controle.

Não brigue por e-mail
Em nossa cultura, nós estamos aumentando o uso da tecnologia nos relacionamentos pessoais, diz Arthur Paul Boers, autor do livro Never call them jerks: healthy responses to difficult behavior (que poderia ser traduzido para "Nunca os chame de estúpidos: respostas saudáveis para comportamentos difíceis): "Estudos tem mostrado que nos escritórios, por exemplo, as pessoas conversam cada vez menos face a face", ele diz. "Até na escola onde eu ensino, as pessoas sentam-se em carteiras a poucos metros de distância, mas em vez de conversarem pessoalmente, mandam e-mails". Por causa disso, estamos perdendo nossa habilidade do cultivarmos aqueles bate-papos casuais que constroem relacionamentos e confiança". "Isto é um exemplo de um problema que está se disseminando em nossa cultura", diz Boers. "Nós estamos tendo cada vez mais dificuldade de saber como ser civilizados com o outro, como conversar com o outro e como se relacionar com o outro... E então nós nos tornamos tão impacientes com nosso irmão quanto ficamos com o nosso computador quando a Internet cai".
Boers aconselha as lideranças das igrejas e seminaristas a nunca resolver conflitos por e-mail, especialmente porque o e-mail não permite à pessoa ouvir nuances no tom de voz ou ver expressões faciais. "As pessoas tendem a interpretar os e-mails positivos como neutros e os e-mails "neutros" negativamente", ele diz. "E os e-mails negativos são interpretados de forma ainda mais negativa".
As conversas por e-mail também podem rapidamente evoluir para conflitos porque frequentemente apertamos o botão "enviar" no calor do momento. Para tornar as coisas ainda piores, envolvemos outras pessoas em nossas brigas incluindo cópias dos e-mails para terceiros. "Isso vai aumentando cada vez mais a confusão", diz Boers.

Chame as pessoas à maturidade
Boers também acredita que é importante que as lideranças das igrejas "chamem as pessoas à maturidade" recusando aceitar reclamações por terceiros. Frequentemente, as pessoas procuram suas lideranças contando o que "estão falando" deste ou daquele(a) irmão(ã). Mas não citam nomes e nem expressam sua própria opinião. Esse "diz que diz" aumenta o nível de ansiedade das igrejas e toma o espaço de conversas saudáveis. "Você não sabe realmente quem está dizendo aquelas coisas. Algumas pessoas precisam de ajuda para aprender a se comunicar diretamente", diz Boers.
Uma vez ele foi ministro em uma igreja na qual muitos membros tinham dificuldade em expressar suas opiniões.Durante as reuniões decisórias eles não falavam muito. Então, alguém dizia algo com grande exaltação, paixão e energia e todos se submetiam ao ponto de vista daquela pessoa - quer dizer, até que eles deixavam a reunião. "Algumas vezes as pessoas já estavam insatisfeitas com a decisão antes de chegar ao estacionamento da igreja", lembra Boers. "Depois que chegavam em casa, elas ficavam discutindo e se queixando entre si por telefone".
Para resolver este problema, as lideranças explicaram que todos tinham a responsabilidade de se expressar. Nos anos seguintes, quando um tema vinha à tona, as lideranças faziam uma mesa e pediam que cada pessoa falasse."Uma vez que todas as posições estavam na mesa, nós podíamos discutir a questão e tomar uma decisão", diz Boers. "Então nós dizíamos: ´Vejam, esta é a decisão que está sendo tomada pelo grupo, e todos nós somos responsáveis por mantê-la`." Naturalmente, algumas pessoas tinham o problema oposto. Elas diziam o que pensavam - e um pouco mais. De fato, algumas vezes descarregavam qualquer problema que estivessem tendo com alguém da igreja sobre seus pastores". "Seja compassivo com elas, e não leve seu comportamento para o lado pessoal", aconselha Boers. "Somos todos peregrinos, e todos cometemos erros. É muito importante para o(a) líder ter essa postura em resposta às pessoas da congregação".

Observe boas maneiras
As duas igrejas que agora formam a Igreja Unidade Dalston-Crown Hill em, Ontário, Canadá, atravessaram um período muito difícil quando estavam decidindo se deviam aceitar o casamento entre pessoas de mesmo sexo, alguns anos atrás. Querendo evitar um problema similar no futuro, a igreja decidiu criar um "contrato de boas maneiras".
O processo começou durante duas devocionais nas manhãs de domingo. Na primeira sessão, em setembro último, todos fizeram um teste de personalidade que classifica os tipos de personalidade por cores. "Foi muito divertido", diz reverendo George Moore. "Ajudou as pessoas a apreciarem a diversidade entre nós e respeitarem nosso lema "Crescendo espiritualmente quando celebramos a diversidade". Ao final da sessão, a congregação discutiu comportamentos construtivos e destrutivos para a comunidade, com base nas Escrituras.
Escolher um período livre de conflitos para trabalhar esse processo é fundamental, alerta Moore. "Isso precisa ser feito em tempos de calmaria. Quando não há urgência deste trabalho, você pode dar a ele o tempo que necessitar".

Foco no propósito, não preferências
Conflitos frequentemente acontecem em igrejas por causa das preferências das pessoas, diz o autor e consultor denominacional Gil Rendle. Por exemplo, uma parcela de uma igreja prefere música tradicional, enquanto a outra prefere guitarras elétricas no culto. E por que nós vivemos numa cultura competitiva, as pessoas frequentemente se fixam em quem vai vencer estas disputas.
Em vez de falar a respeito de preferências ou vencedores e perdedores, direcione as discussões no propósito, diz Rendle. "Para quem nós estamos tentando desenvolver nosso trabalho"? A quem nós queremos alcançar? Como? Então volte e pergunte: "Que tipo de música se encaixa nesta proposta?"
Pessoas frequentemente querem que seus líderes os conduzam a uma "mudança profunda" sem experimentar perdas, mas geralmente isso é impossível, diz Rendle. Quando uma congregação faz uma mudança muito difícil, tende a perder pessoas e receita. A boa notícia é que a maioria das igrejas começa a florescer depois de dois ou três anos de esforços. A má notícia é que o futuro parece sombrio para igrejas que se recusam a mudar. "Ou caminhamos para mudanças ou caminhamos para uma morte lenta", diz Rendle. "E em muitas de nossas congregações e denominações, nós estamos nesse ponto de decisão".

Chame um mediador
Uma razão para o aprofundamento das tensões nas igrejas é que muitos ministros não têm experiência em gestão de conflitos, diz a Reverenda Susan Garrod-Schuster, uma mediadora de conflitos que trabalha com as Igrejas Unidas do Canadá. Alguns ministros evitam lidar com conflito - particularmente porque se espera que os(as) cristãos(ãs) sejam gentis e não se metam em confusão. "O que o clérigo necessita é mais encorajamento para se envolver e dialogar ao primeiro sinal de problema e conversar", ela diz. "Mas muitos dos pastores são ´fujões´."
Desnecessário dizer, mas geralmente quando Susan chega à cena, o conflito já se espalhou como fogo em mato seco e já causou sérios prejuízos. Mas não importa quão ruins as coisas estejam, a cura é ainda possível, ela diz.
Ano passado, ela ajudou a Igreja Unida de Ontário a se reconciliar depois de um complicado, longo e doloroso conflito entre o ministro e uma parcela da congregação. A disputa não apenas rachou a igreja, mas também contaminou o relacionamento entre a membresia e o pastor. Como resultado, cerca de 100 pessoas deixaram a igreja, e, depois de uma séria enfermidade, o pastor também precisou ir embora.
Susan conduziu os participantes numa mesa redonda na qual as pessoas tinham liberdade para falar honestamente. O processo revelou toda a informação necessária para que elas se curassem e seguissem adiante. "Eu tenho visto situações terríveis reverterem apenas porque as pessoas conseguiram se sentar juntas e conversar", diz Susan. "Muitas dessas situações envolvem pessoas simplesmente clamando por serem ouvidas. Seja qual for o conflito, sempre há esperança".

Jennifer McPhee
(extraído da revista The United Church Observer, publicação da Igreja Unida do Canadá,
denominação nascida em 1925 a partir de uma uniãoentre as igrejas Metodista,
Congregacional e Presbiteriana
. Tradução: Suzel Tunes)


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