Com mais de 20 tatuagens estampadas no corpo, dois piercings no nariz e um alargador de orelha, a paulistana Fernanda Soares Mariana, de 19 anos, parece estar montada para um show de rock. Apenas a B?blia que ela carrega nos bra?os sugere outro destino. E Fernanda, a despeito do visual, est? pronta mesmo ? para encontrar Jesus. "A igreja n?o pode julgar. Ela tem de estar l? para transformar sua vida, e n?o sua apar?ncia", afirma. A igreja que Fernanda escolheu n?o a julga pelo figurino. Numa noite de domingo, no templo da Bola de Neve Church do Rio de Janeiro, o que se v? s?o fi?is vestindo bermudas e camisetas com estampas de surfe. Boa parte exibe tatuagens como as de Fernanda. No altar, uma banda toca m?sica gospel, enquanto a vocalista grita o refr?o "Jesus ? meu Senhor, sem Ele nada sou". Na plateia, cerca de 300 pessoas acompanham o show em catarse, balan?ando fervorosamente ao som da m?sica. A diaconisa Julia Braz, de 18 anos, sobe ao palco de cabelo escovado e roupa fashion. P?e a B?blia sobre uma prancha de surfe no p?lpito e anuncia: "O evangelismo t? bombando!". Am?m.

Foto: Paola M?ximo / Infografia: Marco Vergotti  /  Edi??o de arte: David Michelsohn/?poca

Cultos voltados para os jovens, como a igreja da Bola de Neve, revelam um fen?meno: mostram que o jovem brasileiro busca formas inovadoras de expressar sua religiosidade. Em 1882, o fil?sofo alem?o Friedrich Nietzsche assinou a certid?o de ?bito divina com a c?lebre afirmativa: "Deus est? morto". Para ele, os homens n?o precisariam mais viver a ilus?o do sobrenatural. Nietzsche n?o foi o ?nico. O anacronismo da f? religiosa era uma premissa do socialismo. "A religi?o ? o ?pio do povo" est? entre as frases mais conhecidas de Karl Marx. Para Sigmund Freud, a necessidade que o homem tem de religi?o decorreria de incapacidade de conceber um mundo sem pais – da? a inven??o de um Deus. A influ?ncia de Marx e de Freud no pensamento do s?culo XX afastou gera?es de jovens da f?. Mas a derrocada do socialismo e as cr?ticas ? psican?lise freudiana parecem ter deixado espa?o para a religiosidade se manifestar, sobretudo entre os jovens. "Aquilo que muitos acreditavam que destruiria a religi?o – a tecnologia, a ci?ncia, a democracia, a raz?o e os mercados -, tudo isso est? se combinando para faz?-la ficar mais forte", escreveram John Micklethwait e Adrian Wooldridge, ambos jornalistas da revista brit?nica The Economist, no livro God is back. Para os jovens, como diz o t?tulo do livro, Deus est? de volta. Ou, nas palavras da diaconisa Julia, "est? bombando".

Uma pesquisa in?dita do instituto alem?o Bertelsmann Stifung, realizada em 21 pa?ses, revela que esse renascimento da religi?o est? mais presente no Brasil que na maioria dos pa?ses. O estudo mostra que o jovem brasileiro ? o terceiro mais religioso do mundo, atr?s apenas dos nigerianos e dos guatemaltecos. Segundo a pesquisa, 95% dos brasileiros entre 18 e 29 anos se dizem religiosos e 65% afirmam que s?o "profundamente religiosos". Noventa por cento afirmam acreditar em Deus. Milh?es de jovens recorrem ? internet para resolver seus problemas espirituais. Na rede de computadores, a diversidade de cren?as se propaga como v?rus. "Na minha gera??o s? sabia o que era budismo quem viajava para o exterior", diz a antrop?loga Regina Novaes, da Universidade de S?o Paulo e ex-presidente do Conselho Nacional de Juventude. "Hoje, com a internet, o jovem conversa com todo o mundo e conhece novas religi?es. A internet virou um templo." Mais talvez do que isso, ela se converteu no ve?culo ideal de uma religi?o contempor?nea e desregulada, que pode ser exercida coletivamente sem sair de casa e sem submeter-se a qualquer disciplina.

Trecho da revista ?poca Edi??o de 15 junho 2009.

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