Israel deve ser estado laico



De Amitai Etzioni*

Ser? oportuno que Israel seja um Estado judaico? Fazer tal pergunta equivale a se perguntar se ? mesmo necess?rio que o papa seja cat?lico. Ainda assim, os defensores dos direitos individuais andaram insistindo nesta indaga??o, inspirando-se em argumentos que j? foram experimentados em certos pa?ses onde parte da opini?o pretende colocar a identidade nacional na surdina, de modo que as minorias se sintam mais ? vontade em seu conv?vio na sociedade e evitem engendrar terroristas. Argumentos desta natureza se recusam a levar em considera??o a contribui??o ben?fica da comunidade nacional, dos seus valores fundamentais e da sua identidade, ou seja, o cimento que impede o esfacelamento de uma na??o.
















Rina Castelnuovo / The New York Times

Em Israel, o racioc?nio em favor das minorias e dos direitos individuais se articula em torno de dois argumentos. O mais evidente, por assim dizer, defende que uma ocupa??o prolongada da Cisjord?nia condenaria Israel quer a permanecer uma pot?ncia colonial, quer renunciar ? sua identidade judaica em proveito de um Estado binacional. Somente um retorno ?s fronteiras de 1967 (ligeiramente retificadas) poderia debelar os desastres da ocupa??o e seus efeitos corrosivos sobre a alma de Israel, preservando, al?m do mais, uma base demogr?fica essencial para um Estado judaico e democr?tico.

A segunda parte da argumenta??o p?e em jogo quest?es mais delicadas, que dizem respeito da mesma forma a outras na?es: uma vez contido nas suas fronteiras de 1967, Israel deveria abrir-se para o multiculturalismo. Isto ?, renunciar aos seus valores judaicos para tornar-se um Estado culturalmente neutro, capaz de garantir a integra??o de mais de um milh?o de cidad?os ?rabes (ou seja, cerca de um quinto da popula??o israelense).

Isso permitiria que judeus laicos tirassem proveito da oportunidade para se alforriar daquilo que ? considerado por muitos como um regime rab?nico opressivo.

(Atualmente, em Israel, ningu?m pode casar-se, divorciar nem ser enterrado sem recorrer a uma autoridade religiosa, judaica, mu?ulmana ou outra).

Contudo, essas considera?es parecem menosprezar o fato de que todas as na?es do mundo, por mais vastas que sejam, como os Estados Unidos ou a China, t?m pelo menos alguma coisa em comum: valores, uma hist?ria, uma identidade compartilhada. Se fossem transformadas em Estados neutros, elas seriam espoliadas da dimens?o positiva que nos proporcionam as comunidades. Esta dimens?o n?o deve ser subestimada: um cidad?o pode muito bem estar pronto para morrer pela sua p?tria, indignar-se pessoalmente ao ouvir algu?m denegri-la ou, muito simplesmente, ter um sentimento de orgulho ao ver os seus compatriotas vencerem uma competi??o internacional ou conquistarem uma medalha nos Jogos Ol?mpicos.

Os defensores dos direitos individuais alegam que, de qualquer maneira, os valores comuns dos israelenses judeus se dissolveram, e que at? mesmo as outras na?es disp?em de no?es apenas vagas da sua cultura comum: no Reino Unido, a no??o de “britishness” (“britanicidade”) se resumiria a um gosto imoderado pela cerveja morna e pelo cr?quete.

Mas ? importante constatar, entretanto, que as na?es desprovidas de valores federativos fortes est?o expostas a secess?es -como no Canad? ou na Espanha- e enfrentam dificuldades para implantar uma pol?tica nacional que exige sacrif?cios pelo bem comum.

Ali?s, toda na??o digna deste nome possui de fato uma determinada orienta??o cultural. Voc? pode ca?oar quando ouve falar da Europa como de um continente crist?o, mas ? fato que o descanso dominical nela vigora como regra (e n?o o sab? judaico nem a sexta-feira dos mu?ulmanos), as f?rias acompanham o calend?rio das festas crist?s, e at? mesmo os manuais escolares, assim como diversos ritos p?blicos veiculam valores crist?os.

Ao procurar apagar essas culturas nacionais, corre-se o risco de um empobrecimento. ? justamente o temor de que uma t?o grande deteriora??o ocorra que est? atraindo a simpatia de tantos eleitores europeus por partidos pol?ticos hostis ? imigra??o, e que alimenta sentimentos antipalestinos em Israel. A ?nica posi??o aceit?vel consiste, portanto, em respeitar a diversidade no ?mbito da unidade: cada na??o definiria quais s?o as regras que devem ser compartilhadas por todos, e dentro de quais limites cada comunidade est? livre para seguir suas pr?prias tradi?es.

Assim, no Reino Unido, em vez de se promover a fus?o de todos os grupos ?tnicos, conforme chegou a ser sugerido recentemente, seria prefer?vel aceit?-los tal como eles s?o, na medida em que eles n?o amea?am os valores nem as institui?es nacionais comuns.

Em Israel, isso implicaria n?o s? em respeitar o direito dos judeus e dos ?rabes a praticarem livremente a sua religi?o, como tamb?m o direito de n?o se praticar nenhuma. Al?m do mais, os pregadores de ?dio e os ap?stolos da viol?ncia n?o deveriam beneficiar de nenhuma complac?ncia. Seria tamb?m imperativo suprimir as medidas discriminat?rias contra os ?rabes israelenses e os judeus laicos em mat?ria de subs?dios e de privil?gios alocados pelo Estado, como ? o caso na atribui??o de bolsas de estudos.

A sociologia nos ensina que as sociedades s?o organismos complexos, animados por necessidades e valores diversos, entre os quais n?o se deve privilegiar alguns deles, a n?o ser em detrimento de todos os outros. N?o ? poss?vel poupar as suscetibilidades de cada uma das minorias sem se arriscar a comprometer o essencial: a comunidade nacional.

Todo esfor?o visando a assimilar completamente as minorias (o que s? pode ser feito menosprezando a cultura pr?pria de cada uma delas) ou a liquidar o etos nacional (em detrimento da cultura comum) de nada servir? sen?o para exacerbar os conflitos e as tens?es. O interesse geral exige antes que se consiga alcan?ar uma justa dosagem entre os aportes positivos da diversidade e os valores fundamentais que n?s temos por obriga??o de compartilhar, todos n?s sem exce??o.

*Amitai Etzioni ? soci?logo, professor da universidade George Washington (Washington, DC)

Tradu??o: Jean-Yves de Neufville


Picture of Portal Igreja Metodista

Portal Igreja Metodista

Igreja Metodista - Sede Nacional.

Tags

compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine nossas notícias

Receba regularmente as notícias da Igreja Metodista do Brasil em seu e-mail.
A inscrição é gratuita!