Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Justiça aos pobres e paz aos ricos.

Ao apresentar um trabalho num congresso sobre criminalização da pobreza, fui criticada por utilizar a frase acima. Acusaram-me de beligerante, de usar uma frase que faz apologia à violência e que não estava tendo uma visão pacifista da vida.
Ouvi a crítica e não discuti, porque no fundo sabia que tinha razão nos argumentos que apresentava. Eles eram fruto de pesquisa, reflexão e contato constante com adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
E mais, não vejo nada de beligerante na frase; eu a considero profética.
Os adolescentes pesquisados são pretos, pobres e favelados. São nada. Nada!
É assim que os moradores de comunidades se sentem: escravos do tráfico, da milícia, da polícia, sem contar com a escravidão da fome e da exclusão que ronda suas existências.
Esta frase escrita num muro e "assinada" pelo movimento anarquista é simples e verdadeira: Paz é fruto de justiça! Sob qualquer hipótese, só haverá paz se houver justiça.
O problema da classe média e da burguesia é que achamos que paz e justiça são privilégios de classe, servem só para nós... Os pobres não precisam disso.
Que triste e ledo engano. Justiça tem que ser para todos e a paz também!
Os dias no Rio de Janeiro estão dolorosamente perversos: Os governantes e os políticos são podres; a grande maioria deveria estar na cadeia; a polícia precisa ser desmontada e refeita sob novas bases, a Justiça faz justiça para os ricos e brancos... E você e eu? Que papel nos sobra nesse processo vil e desumanizante? Só o papel de vítimas?
E aí cabe mais uma pergunta: em que parte do erro a vítima é culpada?
Ouso afirmar que é na omissão!
Achamos que as mortes violentas de tantas crianças não nos diz respeito. Só a das crianças brancas e de classe média. As pretas e pobres... bem o sentimento é outro, porque cristalizamos ideologicamente a visão de que os pobres têm que ficar onde estão e a violência a que estão submetidos é por sua própria culpa.
Criticamos o governo, a polícia, os políticos e as instituições mas não nos vemos inseridos nesse quinhão de podridão e desajuste que se abate sobre nós.
Achamos que quando furamos a fila, que quando jogamos papel no chão, que ao praticarmos cotidianamente a "Lei do Gerson" (o importante é levar vantagem em tudo, certo?!) como referencial de vida, não contribuímos para piorar as relações e a qualidade de vida.
Não mudará nada; nada ficará melhor se a mudanças não passarem por nós! Somos sujeitos e atores desta engrenagem podre e emperrada chamada Brasil.
Festa, muita! Futebol, de vez em quando, mas indignação sempre! Se não nos indignarmos seremos engolidos por esse sistema e aí diremos, alienadamente, que não tem mais jeito, que nada vai mudar e que não adianta fazer nada!
Enquanto isso o mercado especulativo aumenta seus lucros sobre nós, os bancos legitimam a prática da agiotagem, as transnacionais dominam o mundo e você e eu continuaremos a chorar diante da violência que executa nossas crianças e sofrer com seus pais que morrem junto, de dor e desesperança.
Por isso, indignação já! Resgatemos a memória do Henfil, quando nos incomodava ao nos perguntar: "você já se indignou hoje?"
Não podemos mais assumir essa postura alienada e falsamente pacífica de povo brasileiro que só quer saber de samba, carnaval e futebol.
Vamos tomar as ruas e as praças. Vamos para a porta da casa dos políticos demonstrar nossa indignação e raiva diante dessa situação. Os pobres continuam indo para as ruas, queimando ônibus, fechando estradas, dizendo que não quer mais as coisas como estão. E a classe média que tinha o papel de mediadora dos movimentos populares? Se encastelou em Ongs, fechou parcerias com órgãos públicos em troca de gordas verbas e viaja algumas vezes por ano ao exterior... Pobre classe média. Acabamos por fazer dela uma classe prostituta por excelência: vai com quem dá mais!
O tempo é hoje. Temos que sair da omissão e do falso conforto em que vivemos ou vamos esperar que uma bala perdida ou vinda da arma de um policial nos atinja?
Quem sabe aí poderemos ver na nossa vida que "o efeito da justiça será paz e o fruto da justiça, repouso e segurança" (Isaías 32:17)
Que a misericórdia, a paz e o amor nos sejam multiplicados.
 
Rute Noemi´- RJ 
Advogada / Assistentente Social
Cantora e compositora e contadora de histórias

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