Recusando-se a atender a mais um telefonema, a dar mais uma entrevista, a repetir de novo a hist?ria de seu filho morto no epis?dio (que a imprensa est? chamando de Massacre da Virg?nia) aquela m?e se preparou para ouvir, pela televis?o, o chefe da Na??o.
Penso que foi dif?cil para ela, a m?e, segurar as l?grimas quando o presidente come?ou seu discurso dizendo que a Na??o estava chocada e profundamente triste. E que ele, pessoalmente, estava orando pelas v?timas e familiares da "terr?vel trag?dia".
Era o presidente dos Estados Unidos da Am?rica falando diretamente a ela, em pronunciamento oficial no final da tarde do dia em que seu filho morrera de forma absurda.
Embora muito prov?vel, a cena descrita acima n?o ? ver?dica. Nasceu da minha imagina??o. Assim como uma outra que me veio ? mente quando ouvi a porta-voz interina da Casa Branca afirmar que o epis?dio n?o fez com que o presidente mudasse sua opini?o quanto ao direito das pessoas comprarem e portarem armas. "O presidente defende a Constitui??o", pensei.
A outra cena que imaginei ? a de familiares e amigos, n?o chocados e tristes mas, ao contr?rio, profundamente felizes esperando o pronunciamento oficial do sacerdote que atestaria a cura de sua m?e, tia, irm?, que h? dezoito anos vivia encurvada e que agora, finalmente, por n?o estar mais doente, poderia voltar ao conv?vio da fam?lia e da comunidade.
Todos nos recordamos do que disse o sacerdote no epis?dio narrado por Lucas (13.14): defendeu a institui??o, o S?bado, repreendendo quem estava ali.
Um tapa na cara, um balde de ?gua fria? ? assim que entendo a defesa da Constitui??o norte-americana no momento (A Segunda Emenda afirma que " … o direito do povo de possuir e usar armas n?o poder? ser impedido"). Os defensores da Constitui??o (os quais, n?o sejamos ing?nuos, defendem, na verdade, um neg?cio que movimenta milhares de d?lares ao ano) repetem o que um sacerdote disse h? dois mil anos: a institui??o chamada S?bado vale mais que a vida; o direito de comprar e vender armas vale mais que a vida de jovens universit?rios.
Os evangelhos narram diversos epis?dios em que Jesus questionou institui?es s?lidas de seu tempo como o S?bado, o Templo, a Lei de Mois?s. Em todos os casos, o que estava em jogo era o mesmo: o ser humano ? mais importante que qualquer institui??o que o prive de vida e esperan?a ou que o trate sem levar em conta seu valor como ser humano.
E esse, ? claro, era um princ?pio que os l?deres das institui?es n?o podiam e n?o podem aceitar ainda hoje.
N?o quero resumir o Massacre da Virg?nia a discuss?es pol?ticas sobre a mudan?a ou n?o da Constitui??o dos Estados Unidos. Deixo isso para os pol?ticos que v?o, daqui por diante, usar o assunto para esquentar a campanha com vistas ?s elei?es presidenciais previstas para o ano que vem. Recuso-me a reduzir a quest?o da viol?ncia, t?o complexa, ? facilidade de acesso ?s armas ou ? redu??o da maioridade penal como se viu recentemente por aqui.
Quero, sim, me mostrar solid?rio aos pais e m?es, amigos e demais familiares n?o s? das v?timas mas tamb?m do jovem que efetuou os disparos. Quero dizer a eles que, pessoalmente, tamb?m j? orei por eles e elas.
E nas minhas ora?es, pedi perd?o a Deus pelas vezes em que agi em defesa das institui?es, contra a vida. Talvez tenha sido essa a ora??o do presidente Bush.
Talvez deva ser essa a ora??o daquela igreja local que impediu as crian?as de participarem do culto porque "atrapalhavam"; daquela outra que expulsou de seu meio uma jovem que se declarou contaminada pelo v?rus HIV; de uma outra que n?o queria os juvenis nas depend?ncias da igreja fora dos hor?rios de culto…
Veja tamb?m:
Massacre da Virg?nia: jovem mata 30 pessoas da Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos.
