entrevista Néstor Miguez

A Igreja na resist?ncia ao Imp?rio


Entrevista com o te?logo argentino N?stor Miguez


 


            O te?logo e pastor metodista N?stor Miguez ? professor do Instituto Universit?rio ISEDET, localizado em Buenos Aires, Argentina. Especializado na ?rea de B?blia, especialmente em Novo Testamento e teologia paulina, ele vem realizando pesquisas que relacionam as Escrituras a temas de nosso cotidiano, como economia e pol?tica. Juntamente com os te?logos Jung Mo Sung, coordenador do curso de P?s Gradua??o em Ci?ncias da Religi?o da Universidade Metodista do S?o Paulo, e Joerg Rieger, professor da Perkins School of Theology, dos Estados Unidos, o professor Miguez acaba de lan?ar o livro Beyond the Spirit of Empire ("Para al?m do Esp?rito do Imp?rio", ainda sem tradu??o em portugu?s). Nesta obra, os autores analisam o imp?rio global n?o apenas em suas dimens?es pol?ticas e econ?micas, mas tamb?m a partir de suas constru?es simb?licas, que invocam atributos divinos como onipresen?a e onipot?ncia.


A resist?ncia ao Imp?rio que est? n?o apenas ao nosso redor, mas dentro de n?s, ? o tema desta entrevista, concedida pelo professor N?stor Miguez na Universidade Metodista, onde ele ministrou a aula de abertura do Programa de Ci?ncias da Religi?o para o ano letivo de 2010.


 


Voc? tem escrito sobre a cr?tica b?blica ao Imp?rio, entendendo-se a palavra Imp?rio como realidade pol?tica, certo? Como voc? explicaria a alunos de uma Escola Dominical o que ? esse Imp?rio?


O conceito de Imp?rio n?o ? s? pol?tico. ? quando distintos grupos poderosos det?m o poder econ?mico, pol?tico e cultural, com apoio das for?as militares.  ? uma conjun??o de for?as que, em lugar de se controlarem e equilibrarem mutuamente, unem-se num processo de domina??o.


 


Seriam, ent?o, os governos autorit?rios?


Governo autorit?rio ? diferente de Imp?rio, nem todo governo consegue estabelecer a condi??o de Imp?rio e juntar outras for?as em seu projeto. Governos autorit?rios que encontram oposi??o em for?as econ?micas ou sociais n?o se estabelecem como Imp?rio; a democracia ? um sistema de controle. O Imp?rio se d? quando a voca??o autorit?ria acompanha-se sem controle.


 


? o caso da economia de mercado nos dias atuais?


A economia de mercado ? uma forma de economia t?o boa e t?o pecadora quanto qualquer outra. O problema ? quando ela se imp?e como ?nica forma de gest?o econ?mica e come?a a regular todas as rela?es sociais, aliando-se ao poder militar, pol?tico, ? ind?stria cultural…  ? o imp?rio p?s-moderno que estamos vivendo. Quando a economia de mercado ? limitada pela economia solid?ria e formas de benef?cio estatal, ela n?o tem poder de controlar as decis?es pol?ticas e as for?as militares e, ent?o, ainda n?o h? situa??o de imp?rio.


A Am?rica Latina ? um dos lugares onde se consegue limitar com mais efici?ncia algumas dessas imposi?es imperiais. Um ponto crucial foi a reuni?o de Mar Del Plata, em 2005, na qual presidentes latinoamericanos se negaram a entrar na ALCA, a ?rea de Livre Com?rcio das Am?ricas (acordo proposto pelos Estados Unidos pelo qual se criaria uma zona sem barreiras alfandeg?rias, facilitando a entrada de produtos norte-americanos nas Am?ricas Central e Sul). Como o Imp?rio n?o conseguiu reunir no seu projeto for?as pol?ticas da Am?rica Latina, rompeu-se essa hegemonia do conceito de livre mercado total.


 


Voc? afirma que o Imp?rio cria comportamentos e formas de pensar.  A coloniza??o da mente ?, portanto, mais do que resigna??o, ? a reprodu??o do comportamento imperial. Voc? pode dar exemplos de como a Igreja hoje reproduz a mentalidade do Imp?rio?


Os exemplos abundam na hist?ria.  Podemos citar o acompanhamento mission?rio a projetos imperiais ingleses e europeus do s?culo 19. Ou o catolicismo como empresa de conquista e invas?o nos s?culos 16 e 17. A configura??o imperial exige uma constru??o cultural, a necessidade de criar sujeitos que aceitem ser s?ditos. Sujeitos sujeitos ao Imp?rio… No mundo de hoje (moderno e p?s moderno) a ind?stria cultural atua na constru??o da subjetividade imperial. E igrejas tamb?m criam teologias afins ao conceito imperial, como a teologia da prosperidade.


Muito mais sutis s?o as teologias da paz, ou seja, todos os conceitos que tentam incutir a id?ia de que o conflito em si ? pecado, que qualquer manifesta??o do conflito contraria o sentido crist?o de amor ao pr?ximo. A contribui??o da teologia da paz no esquema imperial ? dif?cil de detectar, mas efetiva. Todo Imp?rio se constr?i sobre a anula??o do outro. Quando se elimina o conflito elimina-se a possibilidade da reclama??o, da nega??o, elimina-se a voz do oprimido. Jesus diz: "Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justi?a, e todas estas coisas vos ser?o acrescentadas" (Mateus 6.33), inclusive a paz, pois a paz resulta da justi?a, como tamb?m nos lembra a B?blia: "O efeito da justi?a ser? paz, e o fruto da justi?a, repouso e seguran?a, para sempre" (Isa?as 32.17).


 


Imagino que, quando voc? fala do Imp?rio e de suas formas de opress?o, ou?a coment?rios do tipo "isto ? teologia da liberta??o; ? uma ideologia ultrapassada". Esse ? mais um mecanismo de coloniza??o mental ou, de fato, a teologia da liberta??o n?o ? mais uma boa ferramenta para se pensar os dias de hoje?


A teologia da liberta??o foi um momento teol?gico que surgiu em virtude de um contexto. Aquela teologia est? vinculada com um momento do passado; o que n?o significa que o momento atual n?o exija uma teologia da liberta??o vinculada com o presente.


? necess?rio manter o conceito liberador da busca da plenitude da vida humana, da necessidade de justi?a (incluindo-se quest?es de g?nero e ?tnicas) diante do atual contexto econ?mico do capitalismo financeiro. A teologia da liberta??o encontrar?, portanto, novos desafios para seguir sendo teologia da liberta??o. Em fidelidade ao passado, mas n?o como uma reprodu??o do passado.


 


Em um de seus artigos voc? diz que ? imposs?vel resistir ao Imp?rio que est? ao redor e dentro de n?s. Mas voc? fala tamb?m da confian?a na ressurrei??o como possibilidade para uma nova realidade, a "esperan?a escatol?gica": "Nossa esperan?a n?o est? o passado, mas no futuro". Voc? n?o est? falando apenas da vida eterna, n?o ?? Que esperan?a temos para os que est?o sofrendo hoje? Que caminhos existem para que a Igreja seja significativa para a sociedade de hoje?


            Vida eterna ? afirma??o de f? crist? que n?o vou negar. Nego que seja apenas depois da morte. Come?a no corpo que hoje habitamos. Portanto, ? esperan?a presente j?, ainda que seja de uma forma parcial. Temos o desafio de descolonizar a mente, de nos desfazermos das l?gicas imperiais e buscarmos rela?es humanas n?o mediadas pelo poder imperial do dinheiro e dos meios de comunica??o.  Somos desafiados a sermos donos do nosso pr?prio desejo.


Neste processo, as igrejas podem ser parcialmente (com mais dificuldade em sua face institucional) um espa?o para pensar e viver modos alternativos de rela??o social, n?o regidos pela din?mica da concep??o imperial. Isto ? Paulo! V?rios fil?sofos pol?ticos seculares (alguns n?o crist?os e at? ateus) est?o estudando hoje a teologia de Paulo. Eles estudam como o ap?stolo Paulo foi capaz de construir comunidades contra-imperiais em meio ao Imp?rio; com que s?mbolos e din?micas ele consegue ir contra o poder dos deuses imperiais. Hoje precisamos fazer o que Paulo fez, apoiados no poder de um Deus crucificado que ressuscita. O fil?sofo neomarxista Alan Badiou diz que n?o h? grito mais revolucion?rio que "viva a vida eterna", diante do grito de morte eterna do Imp?rio. O Imp?rio n?o controla a vida mediante a morte porque a ressurrei??o estabelece outra din?mica de vida. "Onde est?, ? morte, a sua vit?ria?", diz Paulo (1 Cor?ntios 15.55).


 


Mas os textos do ap?stolo Paulo tamb?m j? foram usados para justificar situa?es de opress?o e escravid?o, n?o ??


Paulo visava proteger a vida cotidiana. Se ele aconselhasse os escravos a se rebelarem, ele os estaria mandando ? morte. No entanto, nas comunidades crist?s, "n?o h? escravo, nem livre". ? o que se v?, por exemplo, na carta a Filemon. Paulo defende outra forma de rela??o humana n?o marcada pela l?gica do imp?rio nas comunidades.


 


O n?mero de igrejas evang?licas nas periferias brasileiras est? crescendo. Tamb?m est?o crescendo, nestes lugares, os ?ndices de viol?ncia, especialmente entre os jovens, e os casos de gravidez na adolesc?ncia, reproduzindo o ciclo de mis?ria. Onde a Igreja est? falhando?


As igrejas criaram um espa?o do religioso separado da vida cotidiana. ? uma esp?cie de esquizofrenia que permite aplacar certas ang?stias da vida cotidiana. Era o que Bonhoeffer chamava de "gra?a barata", a gra?a que elimina a responsabilidade pelo pecado, permitindo que os(as) crist?os(?s) sigam vivendo a vida normal de todas as pessoas. "A gra?a barata ? o inimigo mortal de nossa igreja", dizia ele. A verdadeira gra?a n?o apenas perdoa os pecados, mas restitui o pecador e o transforma. ? esse o tipo de evangeliza??o que precisamos recuperar, o an?ncio de boas novas capazes de criar novas formas de rela?es humanas.


H? algumas comunidades que conseguem, em n?vel pessoal, resgatar algumas situa?es de vida, como a recupera??o do alcoolismo ou da viol?ncia familiar;  mas n?o t?m peso suficiente para transformar o entorno. A a??o individual n?o alcan?a a comunidade se n?o se transforma em a??o pol?tica. Mas a maioria das igrejas diz: "N?o nos metemos em pol?tica".


 


 


Voc? est? integrando um dos grupos de estudo da Confer?ncia de Edimburgo 2010 (de 2 a 6 de junho), em comemora??o ao centen?rio da confer?ncia que se considera o in?cio do movimento ecum?nico mundial. Voc? est? justamente no grupo que estuda "miss?o". No Brasil, existe grande resist?ncia ao ecumenismo porque se diz que ele ? contr?rio ? miss?o, compreendendo-se a palavra miss?o como evangeliza??o ou, mais especificamente, a busca de novos adeptos para a Igreja. Qual ? o sua compreens?o de miss?o? E em que medida ela est? relacionada ao ecumenismo?


De fato, grupos ecum?nicos t?m sido vistos como contr?rios ? concep??o de miss?o, e a miss?o como contr?ria ao di?logo ecum?nico. ? preciso, portanto, revisar tanto o conceito de miss?o quanto o conceito de ecumenismo. A evangeliza??o n?o visa a ganhar adeptos que mantenham a mesma mentalidade de antes. Miss?o ? processo de an?ncio do Evangelho que p?e a Igreja em busca de transforma??o do mundo e de si mesma.  ? como o ap?stolo Paulo a estabelece. Neste sentido, a miss?o ? uma empresa ecum?nica.


Contudo, se o ecumenismo significa uma pol?tica de bom entendimento pelo qual eu renego minhas convic?es e esp?rito cr?tico n?o ? ecumenismo.  Sou totalmente ecum?nico em minha hist?ria e pr?tica de vida. Parte da miss?o da Igreja ? justamente proclamar a absoluta igualdade dos seres humanos. Mas o di?logo ecum?nico n?o ? ocultamento das diferen?as. Conflito ? parte da miss?o.  Se suspendo minhas convic?es n?o sou sincero no di?logo. Se entro refrat?rio tamb?m n?o sou sincero, porque n?o quero dialogar. Este ? o resultado dos absolutismos da verdade.  Jesus foi mais sutil do que isso. Em Jo?o, ele promete que o Esp?rito Santo nos "guiar? a toda verdade". (Jo?o 16.13). Ent?o, eu n?o tenho a verdade, essa ? uma busca guiada pelo Esp?rito Santo. Nessa busca compartilho, dialogo. E o Esp?rito Santo acompanha estes encontros. "Porque onde estiverem dois ou tr?s reunidos em meu nome, ali estou no meio deles"(Mateus 18.20).  Jesus est? presente no encontro com o outro.


 


Suzel Tunes


 

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