Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Palavra Episcopal janeiro 2007

 

Luiz Vergílio Batista da Rosa, Bispo da 2ª Região Eclesiástica

1. "Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto sejam poucas as tuas palavras. Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias". Eclesiastes 5.2-3

2. (A intervenção de Gamaliel, no Sinédrio) - "Agora, vos digo: dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus." Atos 5.38-39

Introdução

Ter sonhos é próprio da juventude de cada geração. Para um número significativo de pastores e pastoras metodistas, entre os quais eu me incluo, o desejo de exercer o ministério pastoral brotou a partir dos sonhos da juventude.

Os sonhos da juventude são, geralmente, revolucionários, carregados de paixão, de Parousia[1]. Quer no período de aspiração, quer ao longo da formação teológica, os sonhos conduziam a imaginação do assumir uma igreja local, ou um projeto missionário exercendo, assim, de forma plena aquilo que se entendia como vontade de Deus.

Nestes sonhos imaginava-se o pastoreio de uma comunidade local fraterna, solidária, teologicamente ecumênica, que participaria conosco do sonho salvífico e redentor de Deus, pela Humanidade. Nesta tarefa missionária se desejava consumir todas as energias e empregar toda a motivação. Muitos pastores e pastoras, antes de sê-lo, oravam: "Deus, eu quero te servir; Deus eu entrego toda a minha vida nas tuas mãos; Deus eu quero fazer diferença à minha geração; Deus envia-me aonde tu quiseres..."!

Sabe-se que geração é um conjunto de funções ou fenômenos pelos qual um ser organizado produz outro; ou seja, ato de gerar, ato de dar vida. Também, geração podem ser as marcas de uma época: das pessoas com seus valores, suas motivações, suas realizações. Na tradição bíblica o ciclo de influências de uma geração era calculado em torno de 40 anos.

Já no Séc. XX as transformações de uma geração a outra eram verificadas em décadas. Hoje, Séc. XXI, percebe-se que estas influências de uma geração a outra estão cada vez mais próximas. Mas o sonho de ser pastor ou pastora implica em convicção, em reconhecer que não há vocação sem missão, sem relevância, sem fazer diferença à sua geração.

I. Sonhar é preciso

O livro de Eclesiastes inclui-se no rol dos livros de literatura sapiencial ou livros de sabedoria do Antigo Oriente. Para esta forma de literatura, a busca por sabedoria/conhecimento, constitui-se na tarefa primordial da existência; e essa sabedoria não nasce da mera reflexão metafísica, teórica, mas, essencialmente do aprendizado proporcionado pelas experiências do viver cotidiano; das observações e percepções da natureza humana. Assim, os fatos que constituem dia-a-dia são fatos educativos, e deles deve se tirar o melhor proveito para um melhor viver. Dois destes fatos são os sonhos e o trabalho.

Estes elementos são, aparentemente, contraditórios, pois trabalhar e sonhar são atividades que não acontecem simultaneamente, na realidade prática parecem contraporem-se. Mas para o Pregador do Eclesiastes, tinham uma relação de causa e efeito: ou seja, muito trabalho produz sonhos, assim como muitas palavras não produzem sabedoria.

Há, por parte dele, uma percepção de que boca e coração devem estabelecer uma sintonia de movimento; a boca precipitada e as palavras apressadas não devem trair o tempo do coração; que é o tempo dos sentimentos, da vontade, dos sonhos. Sonhar, ainda que experiência contraditória ao trabalho, neste contexto, é coisa séria, é também trabalho. Outro livro sapiencial, o Eclesiástico 34.5, diz que os sonhos são como imagina o coração de uma mulher em trabalhos de parto. Ou seja, não há nada de mais concreto do que dar a luz, do que trabalhar para trazer vida ao mundo, gerar um novo ser.

Lembramos que para o autor, e de um modo geral para a literatura sapiencial bíblica, o temor ao Senhor é o princípio de sabedoria, e que toda a sabedoria vem de Deus. Sonhar não será ato solitário, mas solidário. Participar da missão de Deus sempre será um ato de sonhar coletivamente.

O ser Pastor ou Pastora, comprometido com gerar vida, é tarefa que deve nos fazer sonhar juntos.

II. Trabalhar é preciso

Durante algum tempo, fui assessor do saudoso Bispo Isac Aço, no final dos anos 80 e início dos anos 90, coordenando a Pastoral da Criança, que, na época, atendia a mais de 40 projetos de atendimento a crianças empobrecidas e meninos e meninas de rua. Era um trabalho pastoral difícil, cercado de muitos desafios e de muitas incompreensões.

Bispo Isac tinha um sonho de transformarmos cada igreja local em espaços de acolhimento para as crianças empobrecidas, proporcionando-lhes condições de dignidade. Neste contexto, ele escreveu um texto sob o título "Que o sonho não acabe", procurando alentar pastoralmente as pessoas e comunidades envolvidas nestes projetos, e desafiando a Igreja a um maior envolvimento com esta causa. Lembrou-nos do Rev. Martin Luther King Jr., que proclamou ao mundo: "eu tenho um sonho", ecomo transformou seu sonho em luta pela igualdade de direitos e de oportunidades para a comunidade negra norte-americana, servindo de exemplo pelas lutas por direitos humanos. Lembrou do apóstolo Paulo que sonhou, ouviu o clamor do povo da Macedônia, e transformou esse sonho em um grande acontecimento missionário.

A estas lembranças do Bispo Isac associo, também, expressões do Credo da Mulher na Esperança Solidária do CLAI que diz: "Creio, Senhor, em tua presença entre nós, na morte e ressurreição de cada mulher e cada homem, para alcançar teu sonho, nosso sonho".

Nossos sonhos revelam nossos desejos. Entre o sonho e a ação há uma decisão que tem preço, tanto individual como coletivamente. Uma coisa é sonhar, e perder-se em devaneios, e outra é decidir-se pela ação concreta. Nossos sonhos estão representados no trabalho que realizamos, fruto de nossa vocação.

Em Atos encontramo-nos diante de um episódio que nos oferece um juízo sobre o trabalho desenvolvido pelos apóstolos e o parecer de Gamaliel - um homem que fez diferença para a sua geração. Sua palavra de sabedoria alcança tanto aos que crêem quanto aos que usufruem o benefício da dúvida: Essa obra vem de Deus?

Os apóstolos tinham a convicção de que o anúncio do Evangelho de Cristo era a tarefa para a qual suas vidas estavam dedicadas, e que esse evangelho era a boa notícia, da parte de Deus, para o coração de todas as pessoas; estavam dispostos a consumir, literalmente, suas vidas na realização do sonho de Deus: que ninguém se perca!

A história da Igreja, e o Espírito Santo têm se encarregado de confirmar sonhos, que eram obra de Deus, negados e silenciados, bem como de desmascarar sonhos que eram a projeção de vontades pessoais, diabolicamente atribuídas como obras de Deus.

III. Viver é preciso

O poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935), refletindo o sentimento nacionalista da geração do período das grandes navegações, cunhou a famosa frase, no poema Mar de Portugal: navegar é preciso, viver não é preciso. Contudo, essa lógica que enfatiza os avanços da cientificidade, na sua busca pela precisão, não pode sufocar a fé de que viver também se constitui em algo preciso, verdadeiro e necessário.

Assim, viver também é preciso, pois, a vida humana segue a lógica do Reino: vida em abundância!

Os sonhos e as visões alimentam nossa ação, nosso trabalho e, nosso trabalho se constitui em nossa missão, e nossa missão é o que nos faz viver.

Nossa missão tem relação com a nossa pregação, com a nossa identidade bíblico-teológica. Nossa missão está relacionada ao anúncio do Evangelho do Reino, que promove a vida, produz justiça, celebra a paz. Missão que anuncia que Cristo é a manifestação plena de Deus, para salvar, para restaurar, para libertar o ser humano.

[1] Parousia: Eminência do Reino de Deus, cuja presença é manifesta por sinais de alegria pela boa nova, justiça e paz.


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