Polemista feroz, autor ingl?s narra seu caminho do agnosticismo ? cren?a
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
H? muitos anos o jornal “London Times” perguntou a v?rios escritores de Londres o que havia de errado com o mundo.
Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) respondeu com uma ?nica palavra: “Eu”.
Surpreendente? Decerto, mas tudo na vida e na obra deste fil?sofo, jornalista, poeta, ensa?sta e ficcionista era assim, surpreendente. Ali?s, ele era conhecido como “o pr?ncipe do paradoxo”, gra?as a opini?es como esta: “Os ladr?es respeitam a propriedade. Eles apenas querem tornar sua a propriedade dos outros para assim respeit?-la mais”.
Figura pitoresca (pesava mais de 130 quilos), conhecido pela distra??o -uma vez, na sua Londres natal, perdeu-se e teve de mandar um recado para a esposa perguntando como fazia para voltar para casa- Chesterton era extremamente popular e um autor muito apreciado: o personagem que criou, o Padre Brown, despertou enorme interesse e gerou uma s?rie de obras cujos t?tulos -“A Arg?cia do Padre Brown”, “A Incredulidade do Padre Brown”, “A Inoc?ncia do Padre Brown”- mostram que o padre est? muito longe de ser um sacerdote comum; de fato, este inusitado detetive-te?logo surpreende e encanta os leitores pelo humor e pela intelig?ncia.
Era tamb?m um polemista feroz, como o mostra este “Ortodoxia”. Nele, Chesterton refaz sua trajet?ria espiritual, mostrando como chegou do agnosticismo ? cren?a.
Deus no papel
Lan?amento oportuno. Em primeiro lugar, porque Chesterton ? daqueles autores que precisa ser recuperado. Depois, porque o livro completa neste ano seu centen?rio. E finalmente porque o tema de Deus e da cren?a est? na ordem do dia, como o mostram os v?rios livros surgidos nos Estados Unidos (e alguns j? traduzidos no Brasil): “Deus N?o ? Grande”, de Christopher Hitchens (Ediouro), “Deus, um Del?rio” de Richard Dawkins (Companhia das Letras), “The End of Faith”, de Sam Harris.
Os t?tulos claramente indicam a posi??o dos autores, expoentes de um movimento que tem sido chamado de “ate?smo militante”. E qual a raz?o disso? Em primeiro lugar, cresce o n?mero de ateus; 44% dos brit?nicos declararam n?o acreditar em Deus. No Brasil esta porcentagem tamb?m est? em ascens?o; era menos de 1% na d?cada de 70, hoje chega a 7,3%. A expans?o do fundamentalismo, causando temor e repulsa a muitas pessoas, pode ser uma causa, mas h? tamb?m uma volta aos valores do Iluminismo: a raz?o, a id?ia do progresso, a confian?a na ci?ncia (Dawkins ? cientista famoso).
Pergunta: como p?de Chesterton fazer o caminho inverso, partindo de uma situa??o em que “era pag?o aos 12 anos e agn?stico aos 16” para a cren?a engajada, ortodoxa?
Em primeiro lugar ? preciso dizer que n?o se trata de algu?m que subitamente teve uma revela??o, que “viu a luz”; n?o ? o “Credo quia absurduam”, creio porque ? absurdo, de Tertuliano, apologista crist?o do segundo s?culo.
N?o, Chesterton baseia-se na intelig?ncia, no racioc?nio; e embora rotule o livro como “ca?tico” (de fato, ? uma cole??o de ensaios), o resultado ? um desafio ao leitor.
Chesterton fala (p?g.167) na “emocionante aventura da ortodoxia”, e explica: “As pessoas adquiriram o tolo costume de falar de ortodoxia como algo pesado, enfadonho”. Mas, garante ele, “nunca houve nada t?o perigoso e estimulante como a ortodoxia”.
? bom lembrar que estas linhas foram escritas no come?o do s?culo 20, quando as id?ias de Darwin, de Marx e tamb?m de Nietzsche come?avam a se disseminar; Chesterton tinha, pois, advers?rios respeit?veis.
Com alguns deles (seu amigo Bernard Shaw, por exemplo, tamb?m H. G. Wells e Bertrand Russell) polemizava diretamente, dentro da tradi??o inglesa do debate que tornou famoso um Oscar Wilde. N?o ? preciso ser crente, e muito menos ortodoxo, para apreciar este livro. Ele ? um verdadeiro “tour de force”, em termos de intelig?ncia e de humor. Chesterton era o “erro do mundo”? Precisamos muito de errados como ele.
ORTODOXIA
Autor: G.K. Chesterton
Tradu??o: Almiro Pisetta
Editora: Mundo Crist?o
Quanto: R$ 19,90 (264 p?gs.)
Avalia??o: bom