AMAR?LIS LAGE
Ser mand?o, ansioso ou superprotetor s?o alguns dos “pecados” cometidos pelos pais ao brincar com as crian?as; confira dicas para aproveitar melhor esse momento com os filhos.
Leonardo Wen/Folha Imagem
![]() | Aluna opta por brincadeiras diferentes no centro de desenvolvimento infantil Steps Baby Lounge, |
“Cada crian?a tem um ritmo pr?prio de desenvolvimento e exigir que ela participe de atividades para as quais ainda n?o est? preparada n?o acelera esse processo.”
N?o se trata aqui de dar o carrinho de ?ltima gera??o, jogos eletr?nicos ou bonecas que cantam, dan?am e d?o piruetas, e sim de acompanhar os filhos durante as brincadeiras: sentar no ch?o, botar a m?o na massa e se soltar um pouco de regras e objetivos pedag?gicos. Essa intera??o faz com que as crian?as se sintam protegidas e valorizadas e permite que os pais as conhe?am melhor. O resultado ? um v?nculo ainda mais forte entre ambos.
“Alguns adultos parecem ter esquecido como brincar. Mas quem tem dificuldades precisa se adaptar e arranjar um jeito de brincar com o filho. Quem n?o tem voca??o para fantasiar pode tentar fazer um exerc?cio junto, ler um livro etc. Mas, principalmente, observar a crian?a, para se familiarizar com a linguagem dela”, sugere Maria Irene Maluf, presidente da Associa??o Brasileira de Psicopedagogia.
Para auxiliar nessa redescoberta do universo l?dico, a Folha pediu para especialistas apontarem os erros mais comuns dos pais. Veja a seguir quais s?o os “sete pecados capitais” do playground e aprenda como agir para ser promovido a “pai ludens”.
1 Achar que brincadeira ? perda de tempo
A cena: Na agenda da crian?a tem escola, curso de l?nguas, aulas de esportes etc. S? n?o tem tempo para pular amarelinha ou empinar pipa. Para muitos adultos, brincar n?o ? uma prioridade, e sim uma atividade sup?rflua.
Coment?rio: Brincar ? algo fundamental para o desenvolvimento da crian?a. ? por meio de jogos e de situa?es de faz-de-conta que ela compreende as regras sociais, desenvolve habilidades f?sicas, aprende a lidar com os pr?prios sentimentos e se prepara para os desafios da vida adulta.
Quando os pais participam da brincadeira, as vantagens s?o muitas para os dois lados. “Os pais s?o os principais parceiros da crian?a. Eles podem oferecer a ela um repert?rio de brincadeiras que ela n?o conhece e tamb?m ampliar a forma de brincar. Quando os pais se prop?em a fazer isso, eles ajudam no desenvolvimento da crian?a”, afirma a pedagoga Edilene Modesto de Souza, pesquisadora auxiliar da brinquedoteca da PUC-SP (Pontif?cia Universidade Cat?lica de S?o Paulo).
Al?m disso, a brincadeira facilita a constru??o de v?nculos com o filho. “Na brincadeira, a crian?a se exp?e, ela externaliza o que est? sentindo e fala de coisas internas que, ?s vezes, os pais desconhecem. Isso os ajuda a conhecer mais o filho”, ressalta a pedagoga.
2 Querer ser “o dono” da brincadeira
A cena: Convencido dos benef?cios que brincar com o filho traz, o pai se aproxima da crian?a com uma caixinha de ferramentas. A caixinha ? logo transformada em avi?o, mas o pai quer brincar do “jeito certo”, ensinando o filho a encaixar o parafuso de pl?stico no suporte.
Coment?rio: O lado meio “mand?o” dos adultos ? um dos primeiros aspectos apontados pelas especialistas ouvidas pela Folha. “Muitos pais dizem 'vamos jogar bola' sem perguntar ao filho se ele quer mesmo jogar bola”, comenta Marilena Flores, presidente da IPA (Internacional Playing Association, no Brasil, Associa??o pelo Direito de Brincar).
O adulto tamb?m n?o precisa encarar a brincadeira como o momento de “ensinar alguma coisa ? crian?a”. Alguns jogos, como damas, realmente t?m regras, e as crian?as precisam de algu?m que as mostre como jogar. Mas elas tamb?m s?o capazes de criar suas pr?prias regras: ao brincar de casinha, por exemplo, podem estabelecer que a girafa ? “m?e” do cachorro e que a banheira fica na sala. Dentro do contexto, isso ser? o “certo” e dever? ser respeitado.
Em outros casos, a crian?a pode tentar montar uma torre, por exemplo, encaixando as pe?as de um jeito errado -e os pais n?o precisam ficar corrigindo seus movimentos. “O que ? eficaz na brincadeira ? o exerc?cio do ensaio e do erro. Se o adulto dirige demais, esperando um resultado, aquilo deixa de ser brincadeira e vira uma rela??o formal, um exerc?cio did?tico, que ? angustiante para a crian?a”, afirma Gisela Wajskop, diretora do Instituto Superior de Educa??o de S?o Paulo/ Singularidades.
3 Ficar ansioso
A cena: A sobrinha do vizinho j? sabe empilhar blocos de madeira. Mas seu filho, da mesma idade, ainda n?o consegue fazer isso. ? o suficiente para o pai ficar preocupado com o desenvolvimento do menino, com medo de que ele esteja “atrasado”.
Coment?rio: Toda crian?a tem seu pr?prio ritmo. Desrespeitar isso, para “acelerar” a aprendizagem do filho, pode ser prejudicial. “Isso desorganiza a experi?ncia da crian?a, que se sente incapaz e frustrada por n?o conseguir responder ? expectativa dos pais e pode pode passar a exigir muito de si mesma”, explica a psic?loga Vera Zimmermann, coordenadora do Cria (Centro de Refer?ncia da Inf?ncia e Adolesc?ncia da Universidade Federal de S?o Paulo).
A pedagoga Edilene Souza d? uma dica para os pais. “A sensibilidade para o desenvolvimento da crian?a pode ser feita por meio de desafios. O pai pode colocar uma situa??o nova para a crian?a e ver como ela reage. Depois, oferecer novas possibilidades para explorar aquele brinquedo, sempre colocando um desafio a mais. Se o desafio for muito grande e ela desistir de brincar, voc? perceber? que aquele ? o limite dela.”
4 Ser superprotetor
A cena: Os pais anseiam por um desenvolvimento veloz do filho, mas, paradoxalmente, impedem que a crian?a tenha uma s?rie de experi?ncias que a ajudariam a progredir. O menino quer brincar na areia? N?o pode. Escalar no trepa-trepa? Tamb?m n?o. Tudo por medo de que ele possa se machucar ou adoecer.
Coment?rio: A preocupa??o n?o ? infundada. De acordo com um levantamento divulgado neste m?s pela ONG Crian?a Segura, os acidentes s?o a principal causa de morte de crian?as e adolescentes de um a 14 anos. Mas o cuidado n?o pode prejudicar a autonomia da crian?a, fundamental para que ela possa se desenvolver plenamente. O importante ? ficar de olho nelas, sem pod?-las em excesso.
“Conhe?o muitas m?es que vivem com o filho no colo, d?o comida na boca, entregam o brinquedo na m?o e depois reclamam que ele ainda n?o aprendeu a andar. Crian?a tem que cair algumas vezes. S? assim ela vai aprender a andar direito. Claro que ? preciso minimizar riscos -n?o vamos deix?-la subir numa ?rvore muito alta, por exemplo”, comenta Glaucia Maciel, diretora do centro de desenvolvimento infantil Steps Baby Lounge.
Um pouco de “sujeira” tamb?m ? bom, afirma Marilena Flores, da IPA. “Crian?as pequenas t?m um v?nculo muito forte com a natureza: gostam de mexer com terra, ?gua, plantas e animais. Esse contato ? bom para o desenvolvimento sensorial delas.”
5 Ser sexista
A cena: A filha quer um carrinho. O filho quer uma boneca. E o pai quer convencer as crian?as a optarem por outros brinquedos. Embora se preocupem com brincadeiras de conte?do violento ou racista, muitos adultos mant?m uma orienta??o sexista na hora de brincar com as crian?as.
Coment?rio: Ao brincar, a crian?a faz proje?es da sociedade em que vive, que tem tanto homens quanto mulheres. Assim como as mulheres dirigem e os homens cuidam dos filhos, a menina pode brincar de carrinho e o menino, de boneca. Segundo especialistas, isso n?o interfere de forma alguma na sexualidade da crian?a. “O problema ocorre se os adultos ficarem recriminando-a e refor?ando que 'isso ? coisa de mulherzinha'. A gente precisa largar alguns paradigmas”, afirma Marilena Flores.
6 Intervir nos conflitos
A cena: O pai v? seu filho discutindo com outra crian?a durante um jogo. Em seguida, entra no meio da confus?o, briga com todo mundo e avisa que a brincadeira acabou.
Coment?rio: Mais uma vez, o ideal ? estimular a autonomia das crian?as. Um dos benef?cios de brincar ? desenvolver o autocontrole e aprender a negociar com o outro at? encontrar uma solu??o.
Nem sempre, por?m, essa liberdade ? poss?vel. At? os dois anos, a crian?a n?o tem no??o dos limites entre ela e outras pessoas e, quando frustrada, vai reagir fisicamente.
? medida que cresce, ela entende melhor esses limites e pode resolver os problemas com os coleguinhas por meio da fala, mas isso vai depender da capacidade de comunica??o da crian?a.
Se houver agress?o f?sica, o pai dever? intervir. O erro, por?m, ? adotar uma postura violenta. “Depois, ? importante chamar a crian?a para analisar a situa??o. Perguntar por que o coleguinha ficou bravo, o que ela sentiu, o que poderia ter feito de diferente. Isso favorece a reflex?o”, afirma Vera Zimmermann, da Unifesp.
7 Ser politicamente correto
A cena: Bater no coleguinha, claro, ? errado. Mas e brincar de luta? O conte?do violento de algumas brincadeiras deixa muitos pais em d?vida na hora de permitir ou n?o que os filhos fa?am algo.
Coment?rio: “Muitas vezes, os pudores dos adultos limitam a crian?a. Eles n?o percebem que a brincadeira pode ser uma leitura cr?tica que ela faz de algum assunto”, afirma Gisela Wajskop. Ela explica que, quando a crian?a canta “atirei o pau no gato”, por exemplo, isso a ajuda a lidar com uma viol?ncia simb?lica e a ter controle sobre isso. O mesmo vale para o castigo ? bruxa ou aos ogros no final dos contos de fadas.
Al?m disso, afirma ela, os jogos de guerra, tradicionais em todas as culturas, “oferecem contato f?sico, ajudam a crian?a a lidar com a id?ia de for?a e fraqueza e a testar a resist?ncia ? dor.”
Mas ? preciso prestar aten??o para saber se a agressividade manifestada nas brincadeiras n?o reflete uma exposi??o do filho a uma realidade violenta. “O pai n?o deve ficar preocupado, mas atento. Se a crian?a estiver muito violenta, pode estar repetindo o que v?.”
DA REPORTAGEM LOCAL
FOnte: jornal Folha de S?o Paulo
publicado em 11 de outubro de 2007.

