o futuro das religiões II Omir Wesley

Um breve coment?rio e uma contribui??o ao debate da Quest?o Ecum?nica


Escreve Rev. Omir Wesley Andrade*


O artigo O futuro das religi?es, de autoria do antrop?logo norte-americano Clifford Geertz * * , publicado ? p?gina 10 no caderno Mais! do jornal Folha de S. Paulo do ?ltimo dia 14 de maio de 2006, deve ser lido, por todos n?s, como express?o, na profundeza de seu conte?do, da preocupa??o com o futuro da religi?o (ou, no plural, como quer Geertz,  das religi?es).


Geertz, em seu artigo, come?a por desmistificar a id?ia, difundida por muitos soci?logos e cientistas sociais, do "retorno da religi?o" nos dias atuais. Tal no??o, segundo ele, n?o leva em considera??o o fato de que "a religi?o nunca desapareceu", embora renomados soci?logos e te?logos – especialmente na segunda metade do s?culo XX – insistissem em decretar a fal?ncia e morte dos valores e tradi?es inerentes ?s diversas religi?es. Os eventos e acontecimentos tr?gicos da hist?ria recente da Humanidade, nos anos finais do s?culo XX e nos primeiros anos do s?culo XXI, ao lado do persistente interesse pelas religi?es nas sociedades humanas, tanto no Ocidente como no Oriente, demonstram que ? ilus?ria e inver?dica "a concep??o da religi?o como for?a em constante decl?nio". Ali?s, muito pelo contr?rio.


Geertz chama a nossa aten??o para a "rea??o em cadeia", perpetrada em especial pelas grandes religi?es orientais na segunda metade do s?culo XX (hindu?smo, budismo e, principalmente, islamismo), em violenta contraposi??o ? id?ia de que a seculariza??o, com o conseq?ente "fim" das religi?es, seria o destino inexor?vel e inescap?vel de toda a Humanidade. E tal rea??o, como dissemos, foi violenta e radical: eclodiram (na ?ndia, na Nig?ria, na Indon?sia, na Arg?lia e, mais recentemente, no Iraque) "conflitos de conota??o religiosa – partilha, guerra civil, massacres de minorias religiosas, terrorismo religioso". Talvez uma das conseq??ncias mais tr?gicas e dolorosas da invas?o do Iraque pelas for?as militares dos EUA seja "a [grav?ssima] crise entre as denomina?es religiosas iraquianas".


Ao lado da emerg?ncia desses conflitos religiosos, Geertz assinala a situa??o tamb?m potencialmente conflitiva da constante e "crescente migra??o de pessoas e fam?lias" inteiras, vindas do Oriente e at? mesmo de pa?ses latino-americanos, para viver nas "sociedades modernas" da Europa e dos EUA, especialmente quando existe o natural desejo de explicitar livremente os valores e tradi?es de sua pr?pria religi?o.


O que acontece, a partir de ent?o, ? o seguinte: cada religi?o tem a sua "vis?o de mundo" peculiar e caracter?stica. Esta "vis?o de mundo", necessariamente, vai colidir frontalmente com a "vis?o de mundo" das outras religi?es, o que exigir? "uma nova conceitua??o da religi?o e de seu papel" na constru??o social da realidade. Geertz dir? que, nos dias de hoje, somos desafiados "? constru??o de vis?es de mundo com base na inevit?vel ?colis?o de sensibilidades? religiosas". N?o podemos mais nos omitir ao encontro dial?gico entre as diferentes religi?es do mundo contempor?neo.


Na modernidade, n?o falamos mais "da religi?o". Falamos "das religi?es" e, "nas religi?es", o que impera, em grau cada vez maior, ? "a diversidade de cren?a, de f? e de envolvimento".


Qual ?, neste contexto, a grande quest?o para n?s? A grande quest?o, responde Geertz, pode ser reduzida ao discernimento do horizonte moral, ?tico e espiritual das diferentes religi?es. E tal horizonte existe, quer aceitemos ou n?o. No fundo, o que existe mesmo ? a explos?o, agora inevit?vel e definitiva, do conflito outrora latente entre os valores das diferentes tradi?es religiosas e "os processos de transforma??o e reformula??o de cada religi?o espec?fica no momento em que ela se v? penetrada" pela modernidade (ou, se o quisermos, tamb?m pela p?s-modernidade e pela globaliza??o).


Geertz, em seu artigo, procura desvelar, em toda a sua crueza, a grande trag?dia gerada pela tentativa de conviv?ncia pac?fica e "ecum?nica" das diferentes religi?es e suas mais caras tradi?es com o mundo da modernidade e da globaliza??o. E isto se d? porque, dos dois lados, existe teimosia obstinada, dogmatismo e intoler?ncia. E, aqui, a grande trag?dia para as religi?es pode ser resumida em "tr?s palavrinhas s?": crise de identidade.


Geertz faz refer?ncia (o que nos deve preocupar e interessar particularmente) ao estrondoso crescimento num?rico das "igrejas evang?licas neo-pentecostais" nos pa?ses latino-americanos e ao ressurgimento da "direita crist?" e fundamentalista nos EUA da "era Bush". Falando de forma gen?rica das grandes religi?es da Humanidade (o hindu?smo, o budismo, o judaismo, o cristianismo e o islamismo), Geertz afirma que esta grande "gel?ia geral" (como diria Gilberto Gil) ? reflexo da "busca por sentido em uma situa??o pol?tica [internacional inst?vel e] mut?vel, marcada pelo(s) discurso(s) nacionalista(s) e fragmentada em fac?es [pol?ticas e tamb?m religiosas] concorrentes".


Geertz prop?e, no estudo das religi?es, uma "volta ao primeiro amor", um retorno ao primitivismo puro, genu?no, verdadeiro e original das religi?es ind?genas, para a redescoberta e compreens?o do sentido e do significado das religi?es e, em ?ltima an?lise, do valor ?tico, moral e espiritual da religiosidade humana. Geertz vai ainda mais al?m e entende que a religi?o, na diversidade de suas manifesta?es, deve ser revalorizada e redimensionada como "componente [essencial e fundamental] das mudan?as sociais".


Geertz afirma, finalmente, que estamos "dentro do turbilh?o" de uma revolu??o religiosa que est? acontecendo aqui e agora, diante de nossos olhos por vezes estupefatos. E n?o podemos perder tempo. N?o temos o direito de perder tempo. Ao contr?rio, no imediatismo que caracteriza o universo computadorizado da globaliza??o, o desafio ? "aplicar as ci?ncias humanas" (e a reflex?o teol?gica e pastoral, completaria eu) para analisar os fen?menos sociais e religiosos "no momento em que os mesmos est?o se desenrolando diante dos nossos olhos". Chega de "observa??o distanciada". Chegou a hora da "paix?o sociol?gica" (e tamb?m da paix?o teol?gica e pastoral) "Quem sabe, faz a hora" (como diria Geraldo Vandr?) e n?o fica apenas observando e analisando o fen?meno social ou religioso, "esperando para ver o que vai acontecer". Neste sentido, Geertz ainda afirmar? que ? imperioso e priorit?rio que as ci?ncias sociais, as ci?ncias humanas e, no contexto eclesial crist?o, a teologia pastoral, definam o "como" de uma a??o "eficaz, forte e precisa" para alcan?ar tal objetivo.


Creio que as mesmas observa?es cr?ticas e o mesmo convite ? reflex?o e ? a??o podem ser feitos tamb?m ? teologia crist?, em especial no contexto das Igrejas Protestantes Hist?ricas no Brasil de hoje. Particularmente como Igreja Metodista em terras brasileiras, nos dias de hoje, temos reagido com excessiva timidez e covardia diante do ass?dio "evangel?stico" (sic!) cada vez mais escancarado das "igrejolas" e dos movimentos neo-pentecostais. ? nosso dever prof?tico, como metodistas, sair da acomoda??o e do imobilismo que infelizmente t?m feito de n?s uma comunidade eclesial que se contenta em apenas "ver a banda passar" (como diria Chico Buarque), com um discurso pluralista teol?gica e pastoralmente irrespons?vel, para "mergulhar de cabe?a" na elabora??o de uma cr?tica teol?gica mais audaciosa, astuta, inteligente, corajosa, mordaz, radical e biblicamente bem fundamentada ? religiosidade neo-pentecostal e ?s suas fal?cias. ? preciso, para que isso aconte?a de verdade, que tenhamos coragem prof?tica para dizer "adeus ?s ilus?es" e ? leitura ing?nua de nossa realidade eclesial e social, denunciando – em nome de nossa fidelidade aos valores ?ticos e teol?gicos do Evangelho de Jesus Cristo e do pr?prio Metodismo hist?rico – os equ?vocos teol?gicos, heresias e pecados que v?m sendo cometidos pelas assim chamadas "relig?es neo-pentecostais". Mas, aten??o!!! Aqui estamos numa pista de duas m?os. Esta atitude requer de n?s tamb?m o exerc?cio de algumas virtudes essenciais: o amor crist?o, a sinceridade, a humildade, a busca desinteressada da verdade, a abertura "ecum?nica" e a sensibilidade pastoral para tamb?m aprender li?es com o movimento neo-pentecostal. E por que? Porque precisamos reconhecer que muitas vezes, enquanto fazemos um belo e competente discurso teol?gico, as igrejas, os grupos e os movimentos neo-pentecostais est?o conseguindo fazer o que n?s – que trag?dia! – n?o estamos mais conseguindo fazer: atingir, com uma mensagem transformadora, para o bem ou para o mal, a vida e o cora??o das pessoas. Por que ser?? Em outras palavras, ? urgente para n?s, metodistas em terras brasileiras, buscar respostas plaus?veis e convincentes ? seguinte quest?o: O que significa hoje, para "o povo chamado metodista" no Brasil, com tantos desafios e oportunidades, viver e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo como "o poder de Deus para a salva??o de todo aquele que cr?" e, assim, atingir e transformar a vida e o cora??o das pessoas? Como atualizar, de forma significativa e relevante, a mensagem do Evangelho para o povo brasileiro em 2006, em pleno s?culo XXI? Caso o consigamos, concluir? Geertz, talvez os "tempos modernos" do ecumenismo (parodiando Charles Chaplin) – embora amb?guos, perigosos e contradit?rios – se transformem numa inesperada b?n??o de Deus para todos n?s.



P.S.:  Este texto foi originalmente escrito para o Curso de Forma??o de Professore/sas para o Ensino Religioso, promovido pela Coordena??o Nacional de Educa??o da Igreja Metodista e pela CONAPEU (Coordena??o Nacional das Pastorais Escolares e Universit?rias da Igreja Metodista), sob a supervis?o do COGEIME (Conselho Geral das Institui?es Metodistas de Educa??o) e do Col?gio Episcopal da Igreja Metodista, antes da realiza??o do ?ltimo Conc?lio Geral da Igreja Metodista. Portanto, tomei a liberdade de fazer algumas altera??o no seu conte?do, em face das decis?es e encaminhamentos do nosso ?ltimo Conc?lio Geral.
 Fica claro, no texto de Geertz, que o ?nico futuro poss?vel para as religi?es ? a radical abertura ao di?logo ecum?nico, com todas as suas conflitivas e enriquecedoras conseq??ncias. Tal postura, para nossa tristeza e indigna??o enquanto metodistas, contrasta frontalmente com a recente e inaceit?vel decis?o do ?ltimo Conc?lio Geral da Igreja Metodista no Brasil no sentido de desfiliar a nossa amada Igreja Metodista de todos os organismos ecum?nicos onde estejam presentes a Igreja Cat?lica Apost?lica Romana ou outras religi?es n?o-crist?s. Com esta decis?o, infelizmente, a Igreja Metodista em terras brasileiras se coloca na contram?o da hist?ria, tanto da sua bela e rica tradi??o hist?rica, teol?gica e pastoral – que ? inquestionavelmente ecum?nica – como da hist?ria das atuais, necess?rias e relevantes rela?es ecum?nicas interconfessionais (entre as religi?es crist?s) e inter-religiosas (entre as diferentes religi?es espalhadas pelo mundo atual).


 


*O Rev. Omir Wesley Andrade ? Pastor Metodista e Coordenador da Pastoral Escolar do IALIM – Instituto Americano de Lins da Igreja Metodista.


* *  O norte-americano Clifford Geertz, nascido em 1926, um dos mais importantes nomes da antropologia contempor?nea, ? professor em?rito do Instituto de Estudos Avan?ados da Universidade Princeton. A antropologia "hermen?utica" que defende ? uma disciplina que, analogamente ? cr?tica liter?ria, lida com textos culturais, escritos ou n?o. Geertz ? muitas vezes identificado como inspirador de movimentos p?s-modernos na antropologia e nos estudos liter?rios. Em Obras e Vidas (Ed. UFRJ), ele analisa o livro Tristes Tr?picos (Companhia das Letras), do franc?s Claude L?vi-Strauss. ? autor de A Interpreta??o das Culturas (Ed. LTC), Saber Local (Vozes), Negara – O Estado Teatro no S?culo XIX (Bertrand Brasil), Observando o Isl? (Jorge Zahar) e Nova Luz sobre a Antropologia (Jorge Zahar), entre outros livros.

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