A gesta??o do filho de Luciana e Renato, metodistas de Belo Horizonte, durou, mais ou menos, um ano e meio. Sim, isso mesmo. Esse foi o tempo em que aconteceram as idas e vindas ? Vara da Inf?ncia e Juventude e tentativas frustradas de ado?es anteriores at? que, finalmente, o Jo?o Gabriel chegou em casa nos bra?os de seus pais. Jo?o Gabriel foi um sonho que se concretizou na vida dessa fam?lia.
Luciana e Renato casaram-se jovens e fizeram a op??o de serem pais ap?s cinco anos de casamento. Contudo, depararam-se com um problema de fertilidade que um primeiro tratamento n?o resolveu. Mais tarde, Luciana engravidou naturalmente, mas a crian?a faleceu logo ap?s o nascimento. Foi depois de muitas ora?es que eles "abriram seus cora?es para a ado??o", nas palavras de Renato, que era mais resistente ? id?ia: "Eu n?o queria adotar por puro preconceito, mas Deus me mostrou que n?o teve nenhum preconceito me adotando como filho. Hoje, entendo que este nosso ato vem de um desejo profundo de amar, assim como Deus nos ama". Durante muito tempo, Luciana e Renato pediram que Deus atendesse ?s suas ora?es pela vinda de um filho. E demoraram a perceber que a resposta de Deus estava na ado??o. "O Jo?o Gabriel era a crian?a que Deus tinha separado para n?s", diz Luciana.

Gl?ucia, Fernando e Bispo Paulo
A hist?ria de Gl?ucia e Paulo Lockmann, bispo da 1? Regi?o Eclesi?stica, ? um pouco diferente. O casal tinha tr?s filhos biol?gicos quando decidiu adotar o Felipe, ent?o com 9 anos e meio e hoje um lindo rapaz de 16 anos. ? a Gl?ucia quem conta como foi a "gesta??o" deste filho querido: "Desde os primeiros anos de casados vez por outra fal?vamos sobre que talvez um dia vir?amos a adotar uma crian?a. V?rias vezes no Natal traz?amos crian?as para nossa casa para que tivessem um Natal em fam?lia, principalmente aquelas que n?o tinham nenhum v?nculo familiar. Quando ?ngela, nossa filha mais nova, j? estava com 17 anos, trouxemos Fernando para o Natal e ele foi muito paparicado por todos. No dia em que ele voltou para o abrigo foi uma choradeira enorme por parte de minhas filhas e da noiva de meu filho mais velho. Ent?o, resolvemos traz?-lo nas f?rias de julho. Nessa ?poca ele tinha 7 anos e meio. Numa noite, ao coloc?-lo na cama, ele fez a seguinte ora??o: ?Papai do C?u , quero te pedir que me d? uma fam?lia assim como da tia Gl?ucia?. Bom, n?o preciso dizer que sa? do quarto aos prantos e perguntando ao Senhor se n?o seria aquela hora que ter?amos que tomar uma decis?o muito s?ria. Conversamos em fam?lia e decidimos que ele n?o voltaria para o abrigo. Dei entrada na Vara da Inf?ncia com um pedido de guarda tempor?ria. Este ? o primeiro passo que se d?. Meses depois a guarda passou a ser permanente e, quando ele tinha 9 anos e depois de v?rias conversas com a psic?loga e assistente social da Vara da Inf?ncia, decidimos adot?-lo. Assim, marcamos uma audi?ncia na qual o juiz pergunta ? pr?pria crian?a se ela quer trocar de nome e fazer parte da nova fam?lia. Neste dia o Fernando Luiz Rebou?as trocou o Rebou?as que tinha em seu nome por Morais Lockmann, igual a seus irm?os mais velhos.
Gl?ucia destaca que qualquer pessoa que queira adotar uma crian?a deve, primeiro, dirigir-se ? Vara da Inf?ncia que existe em cada cidade (veja quadro). Ela tamb?m faz um alerta: "Como esposa de pastor e m?e do cora??o eu gostaria de dizer que esta ? uma decis?o que tem que ser tomada por todos da fam?lia. Tamb?m gostaria de dizer que, como pais, temos que esperar que nosso filho(a) do cora??o seja uma crian?a normal, nem melhor e nem pior do que se fosse biol?gico. A crian?a deve saber a verdade desde cedo, ela ? amada e foi escolhida e ela ? filha do cora??o. Nunca se deve esconder esta verdade.Quanto mais cedo ela souber, melhor". Ela diz que Fernando tem duas irm?s biol?gicas que foram adotadas por outras fam?lias. Uma foi adotada com 14 anos e est? muito bem, fazendo agora o terceiro colegial; a irm? mais nova est? com uma fam?lia desde os dois anos e somente agora est?o entrando com os papeis de ado??o, no momento ela tem 10 anos. "Fernando tem 16. ? um t?pico adolescente. Um ?timo menino, simp?tico, alegre, extrovertido, aluno da Escola Dominical, adora ir nas Juven?lias , mais tamb?m n?o ? muito amigo dos livros. Quer mais normal que isso?"
O pastor Os?ias Barbosa da Silva, mission?rio na Inglaterra, concorda com Gl?ucia: o amor ? crian?a deve fluir de forma natural, sem qualquer diferen?a em rela??o a filhos biol?gicos, e a verdade deve vir ? tona t?o logo surja interesse da parte da crian?a. "Em nosso caso, o J?nior soube de sua condi??o desde seus dois aninhos, pois em um devido momento, a pergunta crucial surgiu: como eu sa? da sua barriga?, perguntou ele ? m?e. Foi a oportunidade que utilizamos para dizer que ele era filho do cora??o e explicamos em quais circunst?ncias ele veio para nossa fam?lia. N?o desqualificamos a atitude de sua m?e ao entreg?-lo para ado??o. Dissemos que ela teve uma atitude digna e amorosa ao saber que n?o tinha as devidas condi?es de cri?-lo. O amor foi tanto que superou a maternidade".
O Rev Os?ias e sua esposa, a pastora Jane, destacam que a ado??o ? uma b?n??o, quando, primeiro, se supera a necessidade de repor algo que n?o se conquistou naturalmente. "? claro que, dependendo da idade dela o desafio torna-se maior. Em alguns casos o desafio ? grande, mas nada que n?o se resolva com muito amor e carinho e a ajuda de especialistas. Em nosso caso, tem sido uma grande b?n??o e acompanhamos outros casais amigos com a mesma experi?ncia, vivenciando a mesma realidade. Como ? gostoso amar e ser amado, construir uma vida em fam?lia e fazendo com que todos de casa se sintam felizes e esperan?osos pelo amanh?!
Ao encontro do filho real

A maioria das crian?as que aguarda ado??o ? negra e tem pelo menos um irm?o
Costuma-se dizer que o processo de ado??o no Brasil ? burocr?tico e lento. De fato, uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em abril deste ano informa que, enquanto mais de 7.500 brasileiros e quase 300 estrangeiros est?o na fila da ado??o s? no estado de S?o Paulo, aproximadamente mil crian?as e adolescentes esperam pais adotivos. Contudo, o principal motivo desse desencontro ? a diferen?a entre as expectativas dos pais e a realidade dos abrigos. Enquanto grande parte das pessoas deseja adotar s? um filho (99%), menor de tr?s anos (83%) e de cor branca (49%), a maioria dos abrigados ? de cor negra ou parda (52%), maior de tr?s anos (87%) e possui um ou mais irm?os (56%).
Os dados sobre o perfil pedido pelos pais adotantes referem-se ao estado de S?o Paulo, em 2005. A compara??o da pesquisa com um estudo feito em 2004 revela que o interesse pela ado??o vem crescendo. De um ano para o outro, o n?mero de novos pedidos quase dobrou. Segundo Reinaldo Cintra, juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justi?a do Estado de S?o Paulo, as pessoas tamb?m v?m se importando cada vez menos com a cor da pele, escolhendo a op??o "indiferente" nesse quesito. Mas o preconceito ainda ? um grande obst?culo. Para a assistente social Ana Maria da Silveira, autora do livro "Ado??o de Crian?as Negras: Inclus?o ou Exclus?o?" as crian?as negras ainda s?o preteridas por n?o se encaixarem nos padr?es de beleza vigentes em nossa sociedade. Segundo a psicanalista Maria Antonieta Pisano Motta, coordenadora do Gaasp (Grupo de Apoio ? Ado??o de S?o Paulo – www.gaasp.net), uma das barreiras ? ado??o inter-racial ? que a diferen?a de cor deixa a ado??o muito evidente. "Fica na cara que o filho n?o ? biol?gico. E o fato ? que muitos pais, mesmo inconscientemente, gostariam de esconder isso", declara a psic?loga ao jornal paulista.
Delamarque Tavares, assistente social da Vara da Inf?ncia do F?rum da Lapa, em S?o Paulo, afirma que uma das barreiras ? ado??o inter-racial e de crian?as mais velhas ? o desconhecimento. "Muitos casais n?o imaginam como ? um abrigo, n?o sabem que quase todas as crian?as que est?o l? s?o negras e maiores de cinco anos. Quando se informam, eles se sensibilizam e conseguem migrar da crian?a idealizada para a crian?a concreta".
Suzel Tunes
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* Conhe?a o livro “Ado??o, quando anseio por um filho”.
