Semana dos Povos Ind?genas 2008
14 a 20 de Abril
POVOS IND?GENAS EM ESPA?OS URBANOS
Uma entrevista com Francelina Terena, de Dourados
Graciela Chamorro
Francelina da Silva Souza: Meu nome ? Francelina da Silva Souza, tenho 38 anos, sou ?ndia terena, da aldeia de Jaguapiru, (Munic?pio de Dourados), onde moram minha m?e, meu pai, meus seis irm?os e irm?s, sendo que um dos meus irm?os ? adotado. Na aldeia de Buriti (Munic?pio de Sidrol?ndia MS) moram meus parentes maternos. Minha m?e veio dessa aldeia.
O ensino fundamental fiz na Escola da Miss?o Marechal C?ndido Rondon, na aldeia. O segundo grau, magist?rio, fiz na Escola Menodora, na cidade de Dourados. Depois eu cursei Pedagogia no Centro Universit?rio de Dourados UFMS. Minha habilita??o ? para as s?ries iniciais, para as disciplinas pedag?gicas do segundo grau e para supervis?o. Fiz P?s-Gradua??o em Metodologia do Ensino Superior na Unigran, que ? particular. Todos os meus estudos foram financiados pela minha fam?lia; s? para a p?s-gradu??o receb? uma ajuda da Funai.
Sempre trabalhei como professora das s?ries iniciais nas escolas ind?genas na minha aldeia. A alfabetiza??o fazia em portugu?s. Eu j? n?o falo a l?ngua terena. Meu pai e minha m?e tamb?m n?o falam mais e na escola onde eu trabalhava, Tengatu'i, iam terenas, guarani e kaiov?, ent?o n?o tinha jeito, tinha que ensinar em portugu?s. Eu sou professora concursada da rede municipal. Atualmente estou cedida para trabalhar na Gest?o de Educa??o Escolar Ind?gena da SME de Dourados.
Eu sou cat?lica, toda a minha fam?lia tamb?m ?. Mas a maior parte das fam?lias terena ? protestante na aldeia de Dourados. Religi?o terena a gente j? n?o conheceu.
Eu moro na cidade, em Dourados, desde 2005, mas desde pequena freq?ento a cidade, por causa da escola. A primeira vez que sai da aldeia senti um impacto. Na aldeia, todo mundo era ind?gena, n?o havia grandes diferen?as entre a gente, a gente se sentia em casa! Na cidade, senti um choque. Me senti diferente, olhada. N?o foi um ambiente agrad?vel para mim, como na aldeia.
Tinha muita curiosidade… os colegas da escola queriam saber se a gente andava nu na aldeia. Eles moravam t?o pertinho da aldeia e n?o sabiam nada sobre n?s.
Depois o tempo foi passando e eu fui ficando mais ? vontde e comecei a achar que essa curiosidade podia ser tamb?m interesse para conhecer e que, conhecendo a gente, os colegas podiam respeitar mais os povos ind?genas.
Na universidade me senti bem melhor. As pessoas eram mais adultas e maduras e eu achei logo que essas se interessaram por mim.O grande desafio para mim na universidade foi acompanhar as aulas e acreditar que eu iria concluir o curso. Algumas mat?rias eram dif?cis e se eu faltava uma vez ficava por fora na seguinte aula. Mas o que mais me marcou e ficou quase que como uma amea?a para mim, foi quando um professor entrou na sala de aula no in?cio do curso e disse que muitos entram na universidade mas poucos saim dela com o curso conclu?do. Eu achei que ele estava falando comigo, me excluindo, achei que eu n?o conseguiria concluir o curso. Foi complicado vencer isso. Foi dif?cil tamb?m combinar as aulas da Universidade com o trabalho. Eu j? era professora,. ?s vezes tinha forma??o aos s?bados e n?o podia faltar… na mesma hora tinha aula na faculdade. Se eu faltasse ficaria perdida! Ent?o sempre tinha que estar me explicando porque tinha faltado nos cursos de forma??o. Os organizadores n?o aceitavam minhas justificativas…
Na universidade sempre houve quem me apoiasse. Professores e professoras me davam prazo especial e me explicavam em particular a mat?ria que n?o tinha entendido. Tamb?m as colegas de curso me ajudavam.
Tudo o que eu estudei serviu como reflex?o sobre minha realidade. Eu tinha que relacionar isso com meu trabalho e fui achando espa?o na minha situa??o. Meu pensamento era desde um come?o estudar para continuar trabalhando na aldeia como professora. Por isso sempre escolhi temas relacionados com a minha aldeia como trabalhos para universidade.
Sempre me afirmo como ?ndia terena em qualquer lugar e fa?o quest?o de me juntar aos demais professores e professoras ind?genas de Aquidauana e Campo Grande (que s?o tamb?m terena). Entre os e as colegas terena ningu?m duvida que eu sou india. O problema ? quando estou entre os professores e as professoras guarani, que duvidam de mim, especialmente por n?o falar mais a l?ngua terena. Mas eu digo que sou terena porque cresci assim, numa fam?lia que diz ser terena e me fez sentir terena. Isso ? muito importante. Eu n?o posso tirar de mim. Eu tamb?m tento ler sobre a cultura terena hoje em dia.
Na aldeia Jaguapiru (uma ?rea da Reserva Ind?gena de Dourados) tem a casa do meu pai e da minha m?e, que tamb?m ? minha casa. E ? para l? que eu vou todas as vezes que tenho oportunidade.
Para mim ? um pouco dif?cil morar na cidade. Eu vim morar na cidade porque casei com n?o-ind?gena e porque h? uma lei que n?o permite que mulheres ind?genas casadas com n?oind?genas morem na aldeia. Embora essa lei seja meio machista (homens ind?genas casados com n?o-ind?genas sim podem morar na aldeia), eu acho que eu n?o podia continuar morando na aldeia.
Acho que nem homem casado com n?o-ind?gena devia morar na aldeia, porque isso vai mudar todo o jeito da aldeia, vai descaracterizar a cultura. No caso da l?ngua a gente j? v? isso, portugu?s acaba se impondo e a l?ngua ind?gena fica esquecida.
Eu tenho rela??o intensa com meus parentes e com minha aldeia. A gente se encontra muito. Mas eu vou mais l? do que eles ve?m aqui. Eu trago muda da aldeia para a cidade, para plantar no meu quintal, trago frutas, mandioca, milho, batata, banana, mam?o… Eu tenho mais um irm?o no servi?o p?blico. Ele estudou Administra??o Rural na Unigran (particular) mas trabalha na biblioteca da UFGD, no Campus II . Embora o campus fique longe de casa, ele continua morando na aldeia. Tamb?m minha Marijani que est? no 2? ano de Biologia na Universidade Estadual de MS (UEMS), mora na aldeia e vai todo dia para o campus.
Quanto ? terra e a minha identidade … eu sonhei que estava toda suja de terra, correndo na ro?a… sonhei que pulava das ?rvores com minhas irm?s e meus irm?os… sorria e brincava…
Ent?o, lembrei-me muito do tempo quando era crian?a, quando ajudava meu pai na ro?a e vivia muito mais na terra.
VEJA TAMB?M:
O caderno de estudos da Semana dos Povos Ind?genas
Ind?gena visita Col?gio Americano e ensina crian?a montar arco e flecha.
A situa??o dos ind?genas em Roraima.